Política

Somos um país de maricas

Por Wil Prado

Somos um país de maricas quando aceitamos calados um presidente que se elegeu como paladino da moralidade se vender ao Centrão do “Se gritar pega ladrão…” para fugir a um possível impeachment. 

Pela primeira vez sou obrigado a concordar com Bolsonaro. Somos sim, um país de maricas.  Porém não no sentido homofóbico que ele usa o vocábulo. Mas no sentido mais amplo e atávico, aquele que nos remete à infância, onde o neologismo era a ofensa maior nas questões e desavenças pessoais. “Você não me enfrenta porque é maricas”. Marica, portanto, era todo aquele que não reagia aos tabefes e insultos de um mais forte, preferindo se acovardar no “faz de conta que não é comigo”, ou mesmo no “faz de conta que não doeu”.  Nesse sentido, infelizmente, tenho que admitir que somos sim, maricas. 

Somos maricas quando assistimos, sem nada fazermos, ao apagão da nossa economia, caindo da 8ª para 12ª posição, com 18, 5 milhões de desempregados, a fora os outros milhões jogados à economia informal, sem carteira assinada ou quaisquer direitos; em um país onde as últimas safras de grãos foram recorde, mas  exportadas para alimentar os porcos da Europa, ao passo que milhões de famílias passam fome em nossos subúrbios, campos e periferias; enquanto 1% dos ricos detêm 48% da renda nacional.

Somos maricas quando aceitamos bovinamente o apagão — e agora não me refiro ao sentido figurado, mas literal — no sistema elétrico do estado do Amapá (recentemente privatizado), deixando 780 mil pessoas totalmente às escuras ou debaixo de fraca e intermitente corrente de energia elétrica, passarem apuros com víveres apodrecendo em frigoríficos e geladeiras, depois do ministro das Minas e Energia garantir que “o sistema está muito mais sólido”. 

Marica, portanto, era todo aquele que não reagia aos tabefes e insultos de um mais forte, preferindo se acovardar no “faz de conta que não é comigo”, ou mesmo no “faz de conta que não doeu”.  Nesse sentido, infelizmente, tenho que admitir que somos sim, maricas. 

Somos maricas quando não contestamos devidamente esse verdadeiro espetáculo de mitomania, que grassa entre autoridades, onde o presidente faz um pronunciamento pela manhã e, conforme a repercussão, o desmente à tarde; onde ministros, para agradar o chefe (“Um manda e o outro obedece”) engolem suas decisões, como se não tivessem opinião própria, confundindo uma população cada dia mais insegura.

Somos maricas quando não reagimos com a força e a convicção necessárias aos descalabros de um grupo  de talibãs terraplanistas que nega a Arte, a Cultura e a Ciência e, em nome de uma imaginária e anacrônica “Cristofobia”, deturpa os próprios preceitos cristãos, exaltando a violência e incentivando o uso da força e das armas em detrimento do conhecimento e das ideias. Ao contrário do verdadeiro Cristo, que, humilde, ofereceu a outra face. 

Somos maricas quando assistimos passivos um deputado dizer a uma colega que ela não merece ser estuprada porque é muito feia, e não ser cassado. Motivo do insulto: a deputada defendia o aborto em casos de estupro. Até porque, amigos e amigas, não seria o caso de nos questionarmos se alguma mulher, na face da terra, merece ser estuprada, como aventou o deputado? E, seguindo ainda a sua linha de raciocínio: qual é a escala, o grau estético que indica que essa ou aquela mulher pode ser estuprada? Não, deputado. Todas as mulheres — avós, mães, esposas, irmãs ou companheiras de trabalho — são belas na sua própria essência, e merecem o nosso respeito e admiração. Que em nenhum lugar do mundo, mulher alguma seja estuprada, sob pena de crime hediondo.  

Somos maricas quando aceitamos calados um presidente eleito sob a pecha da moralidade, prometendo varrer a corrupção, em pouco mais de um ano depois vê-lo enfiar na sacola tal discurso fajuto e, com o rabo entre as pernas como qualquer vira-lata, se submeter ao Centrão fisiológico (aquele mesmo do “Se gritar pega-ladrão, não fica um meu irmão”, como disse um dos seus ministros invocando o samba famoso) para salvar seu mandado e o dos filhos envolvidos em contumazes crimes de rachadinhas, funcionários fantasmas e outras fraudes contra o erário.  

Somos maricas, sim, quando ouvimos calados um presidente da república proferir um comentário sexista dos mais vulgares sobre uma jornalista e sair de cena fazendo pose, aplaudido pelos seus asseclas, como se fosse o mais espirituoso dos cidadãos. Em tempo: qual foi o grave erro da profissional de imprensa? Ter prestado depoimento para a CPI dos Fake News sobre suspeitos posts de blogueiros amigos do governo.   

Somos maricas sim, quando assistimos, entupidos, um demissionário ministro da Justiça acusar seu comparsa-chefe-presidente de tentar aparelhar órgãos de segurança em um estado da federação para proteger a família investigada em crimes de corrupção. 

Somos maricas, sim, quando ficamos de braços cruzados esperando que as coisas aconteçam, quando deveríamos ir para as ruas cobrar impeachment.

Somos maricas sim, quando presenciamos vários episódios sequenciais de grupos direitistas, apoiadores do presidente, em manifesto desrespeito ao STF, ao Congresso e outras instituições democráticas, inclusive ameaçando de morte ministros, governadores e demais políticos, e nos calamos, como se tudo isso fosse normal. 

Somos maricas sim, quando assistimos calados a omissão criminosa do governo que reduz a verba destinada aos órgãos de defesa do meio ambiente, e mesmo a total paralisação de alguns deles, provocando triste e terrível espetáculo mostrado diariamente pela mídia: nossas matas, cerrados e pantanais arderem em queimadas, nossas onças mancas, de patas queimadas, se arrastando pelos barrancos, nossos tamanduás,  antas, capivaras, cobras e jacarés esturricados, como tristes estátuas de carvão. Maricas somos, quando ficamos apenas de bocas abertas contemplando essa devastação da nossa fauna e flora e não reagimos. 

Somos maricas sim, quando assistimos ao presidente, durante uma inauguração, debochar de todos os nordestinos (que já antes chamara de “paraibas”), questionando se, pelo fato de ter tomado um refrigerante local de coloração rosa (guaraná “Jesus”, tradicional do Maranhão) também não viraria boiola.  Gracinha sem graça que consiste em dois crimes: racismo e homofobia. 

Somos maricas, sim, quando não vamos para as ruas protestar quando o presidente, por birra ideológica, irresponsavelmente desautoriza a compra de 46 milhões de doses da vacina mais avançada no país, a Coronavac, dentro de um quadro desesperador de mais de 165 mil mortes, enlutando milhares de famílias.     

Somos maricas quando ficamos em casa depois de sabermos que a Anvisa – Agencia Nacional de Vigilância Sanitária, sob o pretexto de “eventos adversos graves inesperados” suspendeu os estudos clínicos dessa mesma vacina, criando, assim, uma grave crise sanitária. E o pior: o presidente, sempre mal informado, mas afoito e eufórico, tenta faturar politicamente em cima de uma tragédia, declarando: “Mais uma que Jair Bolsonaro ganha.”   

Somos maricas, sim, quando ficamos de braços cruzados esperando que as coisas aconteçam, quando deveríamos ir para as ruas cobrar impeachment.

Somos maricas, sim, quando mesmo depois de informado de que tal perda se dera por motivo alheio à dose vacinal (o suicídio de um dos 13 mil voluntários), o presidente não teve a humildade de reconhecer o erro e se desculpar. Desrespeitando o princípio de que a perda de uma vida, seja ela qual for, e em qualquer circunstância, nunca deve ser motivo de celebração, visto o mau exemplo dado por aquele governador que ensaiou passinhos de dança após um sequestrador ser abatido, ao vivo, por um atirador de elite. 

Somos maricas, sim, quando ficamos de braços cruzados esperando que as coisas aconteçam, quando deveríamos ir para as ruas cobrar impeachment. Aliás, exigirmos que o presidente da câmara analise e se decida por um dentre os mais de 40 pedidos já impetrados, relativos a crimes e motivos os mais diversos, que dormem placidamente em suas gavetas.

Somos maricas quando não protestamos ao assistir o presidente, em mais uma das suas bravatas bélicas, dizer “Apenas a diplomacia não dá. Quando acabar a saliva, tem que ter pólvora”. E a troco de quê essa ameaça estapafúrdia? Apenas dar satisfações aos seus talibãs à menção de Biden sobre possíveis sanções econômicas pelo desmatamento e queimadas criminosos na Amazônia. Discurso patético e hilário que só nos fez objeto de chacota por todo o mundo, comparando-nos com aquele país pobre e sem recursos do filme “O Rato que Ruge”, que decide invadir os EUA para, sendo derrotado, receber alguma indenização.  

Wil Prado

Wil Prado é autor dos romances “Sob as Sombras da Agonia”, Chiado Editora, e “Um Vulto Dentro da Noite”, E-book, Amazon.

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