Poemas | Katarina Lavmel; trad. Gabriel Borowski
Se eu fosse o teu damasqueiro,
farfalhava ao teu ouvido como era saborosa.
Aderias à cortiça com as tuas narinas.
Acariciavas a minha copa cheia de folhas.
Colhias os frutos maduros, passavas a mão sobre o tronco
de baixo para cima,
abocanhavas as raízes,
tocavas no musgo. E quando eu estivesse a florescer,
a sugar os sumos,
cortavas apenas os meus brotos secos
e protegias-me do frio.
Junto a ti, podia tornar-me
um pomar de damasqueiros, ou mesmo uma plantação.
Com a polpa e o sumo
podia alimentar-nos, aves selvagens,
formigas, abelhas melíferas…
Se eu fosse um damasqueiro
e tu vivesses numa cabana perto de mim,
tinhas uma vida doce,
coração e pulmões puros,
compota e lenha para quando fosse necessário.
***
Bordado
Os meus tons violeta desgrenhados pela madrugada provocam
o âmbar das tuas íris.
O caule flexível resiste aos aguaceiros e às ventanias,
mas não a ti.
A chuva matinal escorre das pétalas
como o teu toque nos meus seios
que acabaram de acordar,
e depois desliza pelas minhas curvas
até às ávidas raízes.
Atraio abelhas melíferas, que não mordem,
desde Orpington até Setúbal.
Elas colhem o pólen num toque leve, a voar.
Olhem-nas e aprendam com elas…
Adoçarei as noites sombrias de inverno
passando dos meus lábios aos teus o caramelo
e abraçando-te como uma almofada cheirosa
com o bordado Lavmel.
***
Espinos
num sonho ele era uma árvore
Eu tinha meu corpo coberto de casca
e tinha cabelo verde
Falei com ele e com as árvores
Eu acariciei-o com feixes de folhas largas
e reguei-o de ideias
querendo parar os sucos da vida
que esguicharão se meus ramos se cortarem
Se eu fosse uma árvore
teria pulmões e coração ecológicos
sem picos e sem espinhos
***
Um voo
Jurámos às nuvens sobre os fiordes
e ao ar sobre Peniche
uma humildade mútua nos dias ensolarados.
Prometi-te a miragem, a frescura do norte
e o calor do sul.
Encantada com o infinito,
errava com o dedo sobre o mapa
e o espaço-tempo.
Circulando sobre a floresta,
espreitei um ninho de cucos.
Uma ave de ferro perseguia o sonho do seu voo
e por um instante
queria cravar o bico nesta ilusão.
Parecia que um bando de palavras
dava voltas num céu rabiscado.
Apoiei-me no teu ombro
como em Madagáscar
e pus nele o meu pé
— no sonho ou na realidade?
Nas falésias do Algarve respiramos — fundo
a violência do vento são asas e os sonhos já
não são mais uma onda deixo-me levar pelo
oceano e por ti sem mapa sem bússola nem
consenso boia
já não contamos as lanternas no céu — mesmo para as
gaivotas perdidas a noite não é estranha navegamos
com o triunfo de uma vela cheia empurrados para
dentro da neblina da manhã
por trás das rochas do pensamento há vórtices
dióxido de carbono em demasia — os
ambientalistas vão capturar-nos (sem piedade)
por causa deste fogo que arde como incêndio
imoderado nos nossos corações
***
E se… a lua fosse do tamanho de um píxel teria o porte
de um homem insensato (uma gota de sangue no seu corpo)
flutuaria de pernas para o ar como o vulto de Neil Armstrong
e o luar dourado aquecer-me-ia como se estivesses comigo
fisicamente crer na miragem? as iguanas estão perto com
óculos ou sem eles estás a sentir? — é um rosário de Fátima
um aroma de sândalo que envolverá de noite não apenas os
nossos dedos
***
Num cartaz eleitoral
a conversa vazia desfaz-se como uma bolha de sabão
oxalá se encha de palavras-limalhas um miolo
colorido da Fábrica dos Sonhos acaba o intervalo
para a penitência e a espera pelos dias mais fáceis
oxalá as palavras não ressoem surdas a saudade
força o verso a não se calar porque uma palavra boa
antes de dormir seduz como uma almofada de
pelúcia
às pessoas dos cartazes de tanto
sorrirem caem bochechas
pálpebras lábios
***
Ocho
por que o tango não tem limites —
início nem fim
ou talvez seja um sistema binário?
(é como um urso e uma bailarina)
não conheces mais que alguns passos
mas ele faz-te girar sem escrúpulos
— rodas
esmagada com um tacão paras como uma nota
sem respiração
sucumbes com uma docilidade de pelúcia
oxalá conduza seduza a sorte
com a dança marcaremos o momento
este brilho das pupilas
a respiração como voo de colibri
acredito…
o mais importante é estar nos teus braços
Katarina Lavmel é poeta, animadora cultural e professora de língua polaca.Concebeu e organizou duas edições da Festa Poética em Kobylnica e sete edições do concurso poético para os alunos do ensino médio na região de Słupsk, na Polónia. Autora de volumes de poesia: Żona Beduina (Esposa de um beduíno — Bydgoszcz, 2011), Szept i przestrzeń (Sussurro e espaço — Varsóvia 2014, Entourage – Poznan 2020. Publicou os seus poemas em antologias e revistas: “Topos”, “Aktant”, “Liry Dram”, “Poezja dzisiaj”, “Angora”, “Mroczna Środkowo-Wschodnia Europa”, “Kontury”, “Powiat Słupski”,” “Pegaz Lubuski”, Participou em vários encontros de artistas e festivais de literatura na Polónia e no estrangeiro. É membro do Clube de Poetas de Gdańsk e do Grupa Literyczna “Na Krechę”. Foi galardoada com a bolsa do Presidente da Câmara Municipal de Słupsk na área de cultura em 2011, 2020, 2021. E redatora “Azulejo vestido com centáureas” antologia da poesia polaco -portuguesa(Varsóvia 2020). Editou a antologia polaco-espanhola “Logos” (Konin 2021) em 2021.
É presidente da Associação Polaco-Ibérica Arendi Cultural( ACAPI).. Participou de diversos festivais internacionais e pololacos: Festival de Poesia Eslava (2014,2016), Festival de Poesia Polonesa em Varsóvia, Festival Internacional de Poesia “Poesia a Sul” 2019, 2020,2021. Festival Internacional de Poesía “Poetas en Mayo”2020 (Espanha), Festival “Locomotiva Branca “Łazieniec (Polônia) 2020, 2021. mora em Portugal, país pelo qual é fascinada.