Cultura

O percurso

 

Também eu

escuto os caminhos ocultos.

Canso os pés

nessas mesmas pedras.

Entrego os anseios aos comandos geográficos.

No final do dia é a terra quem manda.

Nós nada sabemos.

Tolos pensantes em busca de um chegar.

 

Encruzilhadas, atalhos, high ways de horizontes trêmulos.

Todos vítimas do mesmo delírio.

 

‘Sê vulnerável.’

Diz Handke.

 

“Vem para o espaço aberto.”

Disse outro.

 

Não atendo.

Encurto o passo.

Abrevio o gesto.

É alto o grito na arena.

Estar alheio, por vezes, é tragédia bem desejada.

 

Rascunho um poema no meio do caminho como mapa para algum sol.

Mas ele não me convence.

 

Retomo o percurso.

Das janelas nenhum aceno.

Velhas cansadas, senhores de esperança manca.

O silêncio coletivo é hálito à espreita.

A morte senta-se à sala, tamborila os dedos na mesa.

Está nervosa.

E não espera.

 

Nos muros,

feras raivosas e minúsculas brincam na hera.

E ali conchavam o futuro dos homens.

Ao longe, alguém entoa uma lenga lenga antiga para crianças que dormem um sono de cinzas.

 

Em voz baixa, concluo:

 

É fatídico esse dia.

É tudo que sei…

 

 

Beatriz Aquino é formada em Publicidade e Propaganda e é atriz de teatro. Tem publicados os livros:  Apneia (romance), A Savana e Eu (crônicas), Anne B.  – Sobre a Delicadeza da forma (romance) e Caligrafia Selvagem, lançado em Julho de 2020. Vive atualmente em Portugal.

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