Cultura

O meu medo já não sonha | Vítor Burity da Silva

Aqueço as mãos trépidas e rijas de gelo neste casulo às portas de todos os fins, os que, sei lá, possam algum dia ser a verdade que invento ao despertar-me pela manhã bem cedo como noutra altura qualquer, desacreditado como estou ao pensar-me em ti que me envenenas com aforismos sarcásticos ou beijos de lã e eu aqui na cave dos meus encantos adormecendo sonos e sonhos para que um dia qualquer renasça ou ressuscite desta mesmice misericórdia desde sempre, ao que me lembre, pensar seria nesta altura cansaço extremo, coisa que não vale a pena, disperso e submisso de um nós nosso que nunca existiu mas convenceu-nos que seria assim. A liberdade é coisa de cor difusa, um pisca-pisca conquistador, um predador, e daí dor, tanta.

 

É um insulto libertar a liberdade, verdade que me nutre, cair numa prisão de mentiras avulsas à escala de um eu solto numa rua sem sol e sem vida, a liberdade não existe porque nela somos iludidos e levados a cavalo persa como tapetes voadores porque nela só manda quem mente, somos largados numa imensidão de ilusões para divertir o escárnio seco dos nossos ossos já todos partidos. Mas porque razão a nossa consciência nos ilude? Num carreirinho seguimos como cães raivosos em direcção ao dilúvio, à salvação perante o divino que nos protege de marés altas e revoltas que engolem devagar navios fingidos no mar e escoltados por um céu apagado entre rochedos e pedras de alcatrão mesmo à beira desse céu prometido e nunca, nada, não surgirá quem para que os nossos se consigam abrir e libertarem-se, somos apenas escravos da nossa própria consciência, acreditem.

 

Escrevo letras musicadas por dor nesta masmorra lúdica, este remédio sem sabor nas ogivas da minha ira cansada de tantas não verdades e avulsas que são, vendem-se aos magotes no mercado das ruas abandonadas e esquecidas tal a ansiedade de nos engolirmos sozinhos e entregues a um voto, alimentamos uma assembleia e uma nação sofre nas garras de uma liberdade que os corações desconhecem.

 

Vivemos como querem que vivamos, somos abalroados e feitos depois em barro nas mensagens de glória e honra pela pátria que nos pariu de um ventre já morto há tantos anos, por isso insanos e filhos do vento que segue sem destino e nesse percurso uma alucinação qualquer a uivar-se aos nossos ouvidos como se fossemos o que somos, ovelhas de um reino que nos prostrou e entregou-nos sem dó ao que só eles pretendem, morrer uma vida inteira.

 

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