Cultura

Borges | Ana Paula Jardim

BORGES: poema inédito

 

Um cego caminha na praia

É como um gigante vestido de fato e gravata

E sapatos abotoados 

Pretos

Vai apanhando palavras que retira como moluscos

Estranhos e salgados

Dentro de uma concha

E que espalha como cascalho

Na areia

Livro ininteligível triturado sob os seus pés

Um cego caminha na praia

Esconde no corpo deformado seres mitológicos

Irreais

Titãs, deusas, medusas marinhas

Que não servem para nada

Segue a voz de um Deus que ecoa nas falésias

Um grito de pedra que o deixa surdo

Um cego caminha na praia

Escreve um poema épico que dita com o cérebro

Absurdo

É como um Ciclope gago exilado no meio de muita gente nua

Monstro desolado na luz crepuscular

Homero invisível com um olho redondo na testa.

 

Ana Paula Jardim nasceu em Coimbra. Licenciou-se em Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Desempenhou funções no âmbito da promoção da leitura e da gestão de eventos na Divisão de Bibliotecas da Câmara Municipal de Oeiras, onde foi co-organizadora, entre outros projectos, pelas obras 10 Livros que Mudaram o Mundo (publicado pela Quasi Edições, em 2005), Cesário Verde, um pintor nascido poeta (apresentado no âmbito do Colóquio que assinalou os 150 anos do nascimento do poeta, intitulado Cesário Verde: visões de artista, integrado nas respectivas Actas pelo Campo das Letras, em 2007) e Dez Luzes num Século Ilustrado (publicado pela Editorial Caminho, em 2013).

Integra, desde finais de 2016, a equipa do Templo da Poesia, do Parque dos Poetas, na área de programação e mediação cultural. Publicou, em Janeiro de 2021, o seu primeiro livro de poesia, intitulado Roupão Azul , Guerra e Paz Editores, que foi galardoado com o Prémio Glória de Sant’Anna, na sua 9ª edição, em Maio de 2021. 

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