Cultura

Aborim | Tere Tavares

Enquanto se molha, algo lhe tolhe as incertezas. Vem-lhe à memória a trilha de ouro onde colheu seus primeiros amores. Aborim é insubmissa e intranquila. Dentro dela se opera uma mudança que lhe permite evidenciar o prazer de encontrar-se entre um e outro sobressalto. Habitam-na as órbitas inusuais. Ela perfura as cavidades do mundo adornando-se com a nostalgia insanável das aflições. Os riscos de vento que doa aos papéis seguem extensões que, com uma fisionomia invisível e inadvertida, perseguem-na apesar das desolações.

 

“A alma é a ilustração da mente, do intelecto e da genialidade. A arte deve enxergar na ocultação, no que resta de misterioso. Cumpre-me abordar temas menos dóceis, a dor que trafega no interior de cada ser vivo. Eu me amacio no mesmo instante que sou amada. Nem por isso deixo de estar próxima à desventura que venha a ser apaixonar-se por algum canalha e conduzir esse sentimento às últimas consequências – não raro, definitivamente últimas: [muitos dos que prometem amor, assassinam-te, controlam-te, desejam que mudes ou que fiques muda], – minha suspeita se pauta em experiências e observações. Por vezes, a melhor opção é a recusa, a não concessão que venha a abalar esse estar comigo. São poucas as coisas suficientemente sedutoras para me prenderem. Eu perdi a timidez de mostrar-me tímida para os outros. Resta-me o cuidado de nunca me afastar da alegria de ser a mais verdadeira e natural de todas as que sou. Porque isso emoldura a espontaneidade do meu espírito. Porque separar-se da própria vida é casar-se com a morte”.

 

Com a lógica do desapego, Aborim compreende que o essencial se encaixa, ou deveria se encaixar, de forma normal – o todo é incapturável. Ela constrói um mundo interior valiosíssimo, de harmonia, de amor universal. Nada a deduz da luz que a envolve e irradia de si, constantemente; mas a induz à leveza das não pretensões. Há algo de pretencioso em adotar a simplicidade? Não. Existe a gloriosa finalidade de evidenciar o que há de nobre [não há rejeição capaz de sobreviver ao inevitável brilho da sinceridade] de um mundo que nem sempre é percebido. Ainda que em narrativas sem auxílio: que palavras mais puras lhe molham os olhos e lhe desagravam a aridez –  o que lhe vale é fermentar a estruturação do pensamento. As mutações, talvez, lhe mostrem com assiduidade que não a conhecem, sequer a veem. Para Aborim, nada é mais louvável do que captar esses momentos florais e registrá-los com real filosofia, como um sachê esquecido entre as mobílias que nada tem de proposital, exceto fruir a felicidade e evitar as traças. Impossível descrevê-la ou associá-la apenas a uma coruja demoníaca ou à noite.

 

Tere Tavares nasceu em São Valentim, RS, é poeta, contista, ensaísta e pintora. Desde 1983 reside em Cascavel, PR, Brasil. É autora de onze livros publicados: “Flor Essência” (poesia 2004 ), “Meus Outros” (poesia 2007), “Entre as Águas” (contos 2011), “A linguagem dos Pássaros” (poesia Editora Patuá 2014), “Vozes & Recortes” (contos Editora Penalux 2015), “A licitude dos olhos” (contos Editora Penalux 2016), “Na ternura das horas” (ensaios, Editora Assoeste 2017), Campos errantes (contos Editora Penalux 2018), Folhas dos dias, e-book (ensaios Selo Ser MulherArte Editorial, 2020 ), “Destinos desdobrados” (contos, Editora Penalux, 2021) e “Diário dos inícios” (poesia, Metanoia Editora, Selo Mundo Contemporâneo Edições, RJ).

Participante de cinco coletâneas, categoria contos, editadas em Portugal: “A arte pela escrita III” (2010) “Cartas ao Desbarato” (2011), “A arte pela escrita IV” (2011), “A arte pela Escrita VIII” (2015), e “A arte pela escrita IX” (2016). Consta com trabalhos de prosa e poesia nas “Antologias Febraban” (2007) e (2009),  “Saciedade dos Poetas Vivos” Vol 11 (2010) em “Blocos onLine”, “Contologia” da Revista “Arraia PajeurBR” 4, (2013), “Antologia Poética 29 de abril o Verso da Violência” (Editora Patuá 2015)”,  “Sobre lagartas e borboletas” (Selo Editorial Scenarium 2015), “Aquafúria – Uma antologia de Poetas Sedentos” (2015), “Diversos –Poesia e Tradução- Edições Sempre em Pé”, PT (2016),  I Antologia Digital de poesia “Porque somos Mulheres” da Revista Ser MulherArte (2020), Antologia Selo Off Flip 2020 “Parem as Máquinas”, Conto, Poesia e Crônica, Antologia Selo Off Flip 2021 Conto, Poesia e Crônica.

Conta com publicações em mídias eletrônicas e/ou impressa: “Cronópios”, “Histórias Possíveis”, “Blocos on line”, “Musa Rara”, “Diversos Afins”, “Germina – Revista de Literatura e Arte”, “Escritoras Suicidas”, “Mallarmargens – Revista de poesia e arte contemporânea”, Revistas “Fénix-Logos”- PT e “EisFluências”- PT, Revista “Soletras” de Moçambique, Revista “Vitabreve” – Revista de Arte e Cultura, “Acrobata”, “Amaité Poesia & Cia”, “Fotos e Grafias”, “Escrita Droide”, “Quatatê: Página Brasileira de Poesia do mundo”,Revista Ser MulherArte”, “ Ruído Manifesto”, “Revista Cultura-e”, “Jornal Relevo – Impresso”, “Recanto do Poeta – ICASAA” . Foi convidada, em 2018 para dar entrevista ao “Como eu escrevo”, e, em 2020 para o “Café Pós-moderno” da “OBVIOUS”, sediada em Portugal, PT. Em 2020, teve diversos textos publicados no Museu da Língua Portuguesa: Projeto “A Palavra no agora”, 2020. Integra a Academia Cascavelense de Letras.

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