Cultura

A Outra

Muitos homens conseguem separar amor e sexo. Para alguns, porém, não é tão fácil.

 

O dr. Eugênio Marcondes estava em casa, tomando o café da manhã, quando o celular tocou.

 

 — Alô?

 

— Dr. Marcondes? É da sex shop. Liguei pra…

 

— Um momento! – berrou Eugênio, cortando a conversa. Virou-se para a esposa e falou:

 

— Sinto muito querida, é uma ligação de trabalho. Vou atender no escritório.

 

Minutos depois, retomou a ligação, furioso.

 

— Você quer foder meu casamento? Minha esposa podia ouvir. Nunca mais mencione sex shop, fale que é da importadora. – Um pouco mais calmo, perguntou:

 

—  Por que vocês ligaram?

 

—  Chegou a sex doll que o senhor encomendou. Quer retirar hoje? 

 

— Claro que quero! – Incapaz de se conter, perguntou suplicante:

 

— Ela é tudo aquilo que anunciaram?

 

— É sim, doutor. Linda, do tamanho de uma mulher de carne e osso, parece irmã gêmea da modelo humana. É feita de silicone, com cabelos reais. E tem os orifícios aquecidos! 

 

— Tá bom, passo aí hoje à tarde.

 

Às 16 horas, Eugênio não aguentou mais. Comunicou aos funcionários que tinha um assunto a resolver, saiu da empresa, correu para a sex shop, pagou uma nota preta, retirou a boneca, foi para um hotel e teve uma das melhores sessões de sexo de sua vida. Kim – abreviatura do nome da boneca, fabricada na China – podia cantar, dançar e falar frases sensuais (em chinês), além de fazer barba, cabelo e bigode. Sua boca, não permanentemente aberta como a das antigas bonecas infláveis, mas fechada e com uma leve sugestão de sorriso, abria-se para a penetração do cacete e o envolvia suavemente, como faria uma especialista em boquete; sua xaninha dispunha de grandes e pequenos lábios à imagem e semelhança dos da linda modelo chinesa, e o cuzinho, ah, somente um poeta poderia descrever aquela perfeição apertadinha, mas elástica, sempre disposta a acolher um visitante. Eugênio passou horas trepando, como não fazia há muito tempo, explorando os três orifícios quentinhos graças a um sistema de aquecimento interno.

 

Ele chegou em casa às 11 da noite e guardou Kim no porão. Sua mulher não o viu chegar e não fez perguntas, então não teve de mentir. Nos dias seguintes, dividiu-se entre a esposa e a outra, entre a matriz e a filial. Primeiro, alternava entre a boquinha, a xoxota e o cuzinho de Kim; depois tomava um banho, para eliminar o cheiro de sexo, e finalmente ia dormir ao lado da esposa. Às vezes comparecia, para não dar bandeira – e, na verdade, ainda gostava de transar com ela. Mas gostava um pouquinho menos a cada dia.

 

Após um mês dessa vida de artista sexual – não muito recomendável para um homem de 66 anos –, Eugênio chegou a duas conclusões. A primeira:  estava apaixonado por Kim, desejava tê-la a seu lado em todos os momentos, ouvi-la cantar e vê-la dançar, e não apenas trepar com ela no porão desconfortável.  A segunda: sua esposa tinha de sumir. 

 

“Passamos 5 bons anos juntos, mas acabou” – disse para si mesmo. – “E sei exatamente o que fazer”.

 

Na sexta, convidou a esposa para um passeio de lancha. Ela não respondeu, ele tomou o silêncio por aceitação. No sábado, conduziu-a de carro até a marina e embarcaram, afastando-se do litoral. A certa altura, quando não havia outro barco nas proximidades, desligou o motor, aproximou-se da esposa e jogou-a pela borda. Depois ficou observando, em silêncio, a boneca de silicone afundar. A água cobriu seu corpo gasto pelo uso e suas feições ainda belas, porém bem menos que as de Kim. Esta deixaria de ser a outra, escondida no porão, para se tornar a dona da casa, tomar café da manhã a seu lado e dormir com ele, no quarto de casal. 

 

Isso, admitiu para si mesmo, até o surgimento de um novo modelo de sex doll, ainda mais atraente do que a chinesa. Ele se conhecia, simplesmente não podia resistir a tais lançamentos, iria comprar a nova versão de mulher perfeita, escondê-la no porão e trepar loucamente com ela até se declarar apaixonado. E então Kim seguiria o caminho de tantas outras bonecas que passaram por sua vida, rumo ao fundo do oceano.

 

 

Meu nome é Carlos Eduardo (Cadu) Matos. Nasci em 1946, em Niterói, cidadezinha diante do Rio de Janeiro – uma Almada da baía de Guanabara. Formei-me em Direito em 1968 mas jamais advoguei. Dei aulas de Sociologia na Fundação Getúlio Vargas- SP e, antes disso, em 1975, na Escola Bento de Jesus Caraça, em Évora. Sempre exerci o ofício de escritor. Desde 1969 trabalhei como editor, redator, tradutor, preparador de texto e revisor para editoras de fascículos, revistas e livros didáticos e não didáticos. Contudo, apenas em 2018 escrevi meu primeiro texto pessoal, não encomendado por uma empresa. E não parei mais. Lancei quatro e-books pela Amazon: Shoshana – publicado na íntegra em quatro edições sucessivas da InComunidade – e os livros de contos Lili dos dedinhos, A outra e Rebeldes.

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