Myrian Naves


Myrian Naves, pelo conselho editorial.

O Coração Pensa Constantemente é o título do novo livro de Rosângela Viera Rocha, lançado no Brasil pela editora Arribaçã, Cajazeiras, PB. Rosângela Vieira Rocha: este é seu sexto romance e 14º livro. Tem sete obras para adultos e sete infantojuvenis. Recebeu vários prêmios literários, em que se destacam o Prêmio Nacional de Literatura Editora UFMG -1988, com o romance Véspera de lua, e a Bolsa Brasília de Produção Literária 2001, com a novela Rio das pedras. Participou de diversas coletâneas de contos, entre as quais Mais trinta mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira, 2005, e Antifascistas: contos, crônicas e poemas de resistência, 2020. É jornalista, advogada, e professora aposentada do Departamento de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília – UnB. É colunista da revista literária digital “Germina” e milita no Movimento Nacional Mulherio das Letras desde a sua criação, em 2017.
Para Linaldo Guedes, “O estilo é tudo para quem escreve. E Rosângela Vieira Rocha, autora premiada nacionalmente, tem estilo de sobra. Tanto é que ao primeiro anúncio de um novo romance, leitores e admiradores de sua escrita se alvoroçam na expectativa de novas emoções. Rosângela nos apresenta agora um novo romance - “O coração pensa constantemente” – onde fala de sororidade entre irmãs. Nesta nova obra, o estilo de Rosângela, de costurar o passado e o presente simultaneamente, prevalece, com absoluto domínio das técnicas narrativas. As brincadeiras, as festinhas, os flertes, as ruas do interior fazem contraponto com o mundo adulto ou com os momentos finais da vida de Rubi. O título da obra vem do I Ching, mostrando que o pensar além do momento faz sofrer o coração. Afinal, na sabedoria chinesa, pensar é sentir, eis a chave desta obra. Mas também busca a quietude, a serenidade do coração. Uma quietude que se mantém imóvel quando deve se manter e avança quando o momento de avançar chega. Rosângela avança, nesta obra, em busca da sublimação.
Um excerto da obra
Sempre tive vontade de viajar com você, só nós duas, sem outro compromisso que não fosse passear, ver obras de arte, flanar pelas ruas e praças. Esse desejo não realizado e sem remédio me aperta o peito. Durante muitos anos, não tive meios nem recursos para lhe fazer esse convite, e você estava sempre às voltas com filhos pequenos. Como se não fossem bastantes os três meninos, adotou o caçula, Fabrício.
Essa fantasia começou a tomar forma depois do ano que passei na Espanha, pois tenho certeza de que teria apreciado muito o Museu do Prado. Vi as obras de Goya e El Greco pensando em você, que entendia tanto de arte e poderia até ter me ajudado a vê-las melhor. Eu era muito jovem e as experiências daquele período ficaram eternamente guardadas. O Prado tinha um número muito menor de visitantes, Franco acabara de morrer, a Espanha queria respirar, mas ainda estava meio adormecida. O efeito da hipnose coletiva aos poucos se extinguia e havia no país um ar de mudança e novidade, como se uma folha verde tivesse acabado de nascer numa árvore moribunda.
Certa tarde, eu estava sozinha na sala dos quadros de El Greco, dos quais tanto gosto e para onde sempre retornava. De repente, senti a presença do Cristo crucificado, tão palpável e real que comecei a suar frio. Tinha certeza de que ele desceria dali e ficaria de pé, para falar comigo. Fui tomada por um pavor primitivo, a ponto de descer as escadas correndo e só parar do lado de fora do Museu, alvo dos olhares de perplexidade e desconfiança dos seguranças.
Fascinada com o que via, eu – que nunca tinha andado de avião antes daquela longa viagem – assisti a tudo que pude, aprendi até a gostar de zarzuelas, me tornei frequentadora assídua do pequeno teatro, enquanto lia as obras de García Lorca, Antonio Machado, Miguel Hernández e Miguel D’Ors. Mergulhei na cultura espanhola, aprendi muito e o tempo todo queria dividir com você os novos conhecimentos.
Como explicar a intimidade que há entre duas irmãs? O que poderia ser comparado a esse laço quase mágico, esse saber da outra e saber que ela sabe de nós? Em que contexto, em que relação essas emoções se reproduzem? Diferentemente da intimidade amorosa, que pode ser bonita e profunda, mas deixa em aberto uma zona meio cinza em que o medo do abandono, o ciúme e o terror da traição de alguma maneira ficam à espreita, entre duas irmãs as trocas fluem como os rios, pois existe a certeza, a consciência permanente, de que nada pode desfazer um nó tão apertado e bem dado.
Duas irmãs correndo o mundo, ganhando o mundo, cada uma emprestando os seus olhos à outra e redimensionando as experiências, aumentando o espectro de cores, lapidando a pedra bruta, dando vida aos objetos inanimados. Dois seres criados pelos mesmos pais e atuando no mundo com valores iguais ou muito parecidos, sem que haja entre eles nenhum resquício de autoridade, como na relação mãe e filha. Duas iguais, um par de jarras que se conhece pelo olhar, pelo movimento dos lábios, pelo erguer de sobrancelhas, pelo gesto das mãos, pelo tom de voz, pelo suspiro, pelo afogueamento das maçãs do rosto.
Só os que têm irmãs podem entender a essência, o núcleo, a delicadeza e a beleza desse vínculo. Que não é imune a conflitos nem a rivalidades, mas consegue sair incólume das desavenças, por ser feito de matéria incorruptível e perene.
(O coração pensa constantemente, cap. XI, págs 49-51).

Myrian Naves, poeta, escritora brasileira, professora de Literatura Brasileira. Faz parte do conselho editorial.
Rosângela Vieira Rocha nasceu em Inhapim, MG, e mora em Brasília. “O coração pensa constantemente” é o seu sexto romance e 14º livro. Tem sete obras para adultos e sete infantojuvenis. Recebeu vários prêmios literários, em que se destacam o Prêmio Nacional de Literatura Editora UFMG -1988, com o romance “Véspera de lua”, e a Bolsa Brasília de Produção Literária 2001, com a novela “Rio das pedras”. Participou de diversas coletâneas de contos, entre as quais “Mais trinta mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira”, 2005, e “Antifascistas: contos, crônicas e poemas de resistência”, 2020. É jornalista, advogada, e professora aposentada do Departamento de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília – UnB. É colunista da revista literária digital “Germina” e milita no Movimento Nacional Mulherio das Letras desde a sua criação, em 2017. Participou de várias comissões julgadoras de concursos literários.