Henrique Dória


Estas eleições presidenciais nos Estados Unidos da América não foram eleições apenas para a América. Foram eleições para o mundo.
Donald Trump não mudou apenas a política interna americana, mudou o modo de estar no mundo do poder americano que ele usava, essencialmente, tendo em vista o seu interesse próprio e o interesse da sua família e dos que o apoiavam ou beneficiavam a nível mundial.
Na verdade, a retórica de Trump de tornar a América de novo grande não conseguiu esconder o que lhe estava subjacente. Chegou à presidência com a evidente ajuda da Rússia de Putin que viu nele um excelente instrumento para acelerar o declínio da América pela insistência na defesa do cinturão da ferrugem que, num sentido lato, era a indústria da terceira revolução industrial, altamente poluente e baseada no uso da energia do carvão e do petróleo, negando o que, para todos, é evidente, que são as alterações climáticas e a urgência da passagem para a quarta revolução industrial. E, mais do que isso, viu em Trump e nos seus apoiantes protofascistas um instrumento para provocar a desintegração europeia que é a grande ambição da Rússia para tornar a Europa um apêndice seu.
A retórica de apontar a China como o seu grande adversário não disfarçava a realidade de que a China continua a ser, de longe, a maior investidora na dívida pública americana. O seu boicote às empresas chinesas através do aumento de taxas alfandegárias, de proibições de exportação de componentes eletrónicos e de ameaça de nacionalização de plataformas chinesas na internet como o Tic-Toc, não escondeu a realidade do crescimento do défice comercial dos EUA com a China, que nunca teve um valor tão elevado como na governação de Trump.
Algum sucesso da governação de Trump na economia durante os seus três primeiros anos de mandato, não disfarçou o facto de esse sucesso ter acontecido através do colossal aumento da dívida pública americana quer por via da enorme diminuição das receitas fiscais quer por via do lançamento de biliões de dólares para apoio à economia e, em particular, à banca.
Finalmente, mas não menos importante, o racismo e a xenofobia constituíram as grandes marcas da sua administração, aumentando a marginalização dos já marginalizados da América.
Tudo isso levaria a uma derrota esmagadora de Trump, não fossem as suas mentiras paranoicamente repetidas, a religiosidade doentia, o individualismo extremo e a ignorância trágica de uma grande parte do povo americano, em particular dos estados de baixa densidade populacional do interior americano.
E não fosse também a incompetência absoluta do modo como enfrentou a pandemia da covid-19, a sua negação da realidade evidente da tragédia que era para a América o número de contaminados e o número de mortos, ele não seria derrotado porque o Partido Democrata apostou num candidato sem brilho e com manifestações claras de senilidade.
O seu comportamento público, à margem de toda a dignidade que o alto cargo exigia, coroava a sua ignorância, a sua incapacidade e o seu fracasso. Mesmo assim, teve de seu lado o fanatismo e a crudelidade de setenta e um milhões de americanos.
Mas aqueles americanos que melhor o conhecem expressaram no voto a sua apreciação da personalidade de Trump e do desempenho da sua administração: os eleitores de Washington D C, a cidade capital da América que rodeia a Casa Branca, em número de cerca de quinhentos mil eleitores inscritos, teve uma votação de 93,3 por cento em Joe Biden e 5,2% Trump. Não foi apenas uma derrota, foi uma humilhação.