José Eduardo Degrazia



Pergunta, algumas vezes feita para os poetas, é o que querem mesmo dizer com sua mensagem cifrada em versos. As respostas podem variar de ouvinte para ouvinte, de leitor para leitor, de autor para autor. Mario Quintana uma vez disse sobre isso um aforisma lapidar: “Quando perguntam a um poeta o que ele quer dizer com o seu poema, é que um dos dois é burro.” Parece-me uma fórmula perfeita, pois ou o poeta não conseguiu dizer (para um bom leitor) o que pretendeu dizer, ou um leitor ingênuo não teve condições de entender o que foi escrito. O não entender a poesia “moderna” já é uma coisa antiga. Alguns ensaístas remontam ao romantismo final e ao simbolismo o distanciamento do poeta da camada média de leitores, por sua defesa intransigente do Eu e da liberdade de pensamento, de sentimento, e de expressão. O parnasianismo teria, de certo modo, trazido de volta a camada média de leitores ao convívio da poesia, por sua forma constante e assuntos voltados às descrições e ao mundo greco-romano. O Modernismo, com seu verso livre, na sua corrente mais experimental, teria novamente afastado o leitor, chegando até à negação do verso no Concretismo. A música popular, no caso brasileiro, nos anos 70 e 80, com suas letras elaboradas, na Bossa Nova, e no Tropicalismo, de mais fácil “mensagem”, ocupou, durante um certo tempo, o lugar da poesia, com méritos. Mas não a substituiu.
Penso que a poesia sempre existiu na dualidade da inovação e da manutenção da tradição. Posso avançar até, que essa dualidade é intrínseca ao fazer da grande poesia. O poeta, e aqui estou falando da poesia que se realiza na sua totalidade expressional, sempre procurou dizer alguma coisa da melhor forma possível. Com a beleza, que vem do ritmo e da imagem. Com o entendimento ou a epifania que vem com a metáfora e a música do verso. O verdadeiro poeta se deixa levar pelas Musas e pela inspiração, mas tem o conhecimento prático da forma necessária para alcançar o objeto que deseja fazer, como o escultor, o pintor e o músico. Muitos dirão que existem poetas espontâneos, iletrados, que fazem grande poesia, e é verdade; quando vemos que poetas populares repetem formas medievais e quinhentistas, como muitos repentistas do Nordeste e do Sul o fazem, podemos entender essa grande corrente de poesia que vem desde Homero e a todos nos anima.
Pois bem, como entender, então, a poesia de Delalves Costa? Uma poesia de alta concentração de linguagem e de imagem, e, como já disse na apresentação do seu livro Midiaserável “A poesia, sendo sempre radical, exige que o poeta mergulhe fundo na vida e na linguagem”. Não poderia ser diferente, na medida que o poeta tem uma vida intransferível e que a quer comunicar através de uma forma adequada ao seu propósito. Digo mais, logo depois; “Optando por um afiado trabalho artesanal, onde forma e conteúdo estão presentes como entes amadurecidos, onde a mensagem, lâmina, corta com ajuda cirúrgica do bisturi experimental.” Peço perdão por citar a mim mesmo, mas penso que nesse prefácio escrevi o principal do que eu penso sobre o seu trabalho. Aqui, nessa apreciação, procuro chegar a um melhor entendimento do que eu penso do seu trabalho.
Acredito que um dos grandes erros cometidos por poetas, que também são críticos, é o de procurarem medir todos os outros poetas pela poesia que eles próprios fazem. Quando os lemos, o preconceito fica evidente. Só é boa a poesia que eu faço, os desviantes, não merecem nem mesmo um olhar de viés. Eu, pelo contrário, procuro esse olhar de lado, de viés, mesmo que eu, no início da leitura fique, chocado, com a forma e o conteúdo do que o poeta nos propõe. Como poeta, eu, que venho da geração formalista dos anos 60, cada vez mais procurei me aproximar de uma poesia verdadeira, que possa ser lida pelo maior número de pessoas. Um crítico deve ser aberto, e, sempre procurar o que o contradiz, de outra forma não teria sentido nenhuma apreciação.
A poesia de Delalves Costa se faz na contramão dos espíritos estabelecidos, procura, mesmo sabendo que não encontrará uma popularidade imediata, uma leitura aberta ao novo, ao experimental, sem o que a poesia não existiria. A poesia de Delalves nem sempre é tão radical, como disse anteriormente aqui, há muito lirismo.
Nada melhor do que terminar esse artigo do que procurar as fontes básicas da poesia do autor, citando-o, que entre forma e conteúdo, está sempre ao lado do humano, esperando que, entre a inovação, o poeta se mantenha no caminho escolhido:
“SIMPLESMENTE
O poema de vidro sob os passos
Estilhaços sobre o verso
Ferida, voz enlouquecida
Quando à noite debruço
Sobre o poema o dilema
Descalço sobre o estilhaço
Vago à procura, releitura
Na página com estilhaço
O poema de vidro relido
Meus passos de procura
Encontro-me no olho do dilema
Eu-poema simplesmente.”

José Eduardo Candal Degrazia, médico e escritor, nasceu em Porto Alegre em 1951. Publicou dezenas de artigos e crônicas em jornais e revistas do Brasil e do exterior. Tem publicados os livros de poemas Lavra permanente, Cidade submersa, A porta do sol, Piano arcano e A urna Guarani. Seus livros de contos são: O atleta recordista, A orelha do bugre, A terra sem males e Os leões selvagens de Tanganica. É autor das narrativas longas O reino de macambira e A fabulosa viagem do mel de lechiguana.
Traduziu livros de Pablo Neruda, poetas latino-americanos e italianos.
Foi premiado em poesia, conto, teatro e tradução.
Prêmios mais relevantes
- Prêmio da Colonização e Imigração - com o livro Lavra Permanente - 1975.
- Prêmio de teatro do SBT com a peça A Casa dos Impossíveis - 1975.
- Prêmio livro do ano da AGES/Novela - 2006.
- Prêmio de prosa da Academia Mahi Eminescu - Romênia - 2012.
- Prêmio Internacional de Poesia de Trieste, 2013.