Elizabeth Olegário


O touro
;A Júlio Pomar in memoriam
Na sala o touro
bailava comigo
nas noites de outono.
Lá fora,
toras de madeiras,
decomposição de corpos,
cores mortas,
folhas suicidas,
caducas.
Lições do tempo.
Tintas lusitanas
Malhoa impressionado
com Gustav Klimt.
Tinto o vinho
Turva a imagem.
Na arena o touro.
Balé andaluz.
A incerteza da volta.
Manolete no chão.
O limite da dança: o passo.
O limite da vida: a morte.
No copo a borra,
na sala o corpo
na tela o touro
na boca o travo
vinho tinto
turva a imagem.
Encharcada de vinho
toureando a solidão
a menina e o touro
bailavam na sala
nas noites de outono.
…
PÃES DE QUEIJO
Nunca andamos de mãos dadas,
nas noites de lua,
nas margens do Tejo.
No entanto nos especializamos
em construir pequenas esferas doiradas.
_"O teu possui melhora aparência",
diz-me com as mãos untadas de afecto
e os olhos cheios de ternura.
O amor percorre rotas (in)visíveis.
Nunca andamos de mãos dadas,
nas noites de lua,
nas margens do Tejo.
Porém dentro da tigela
enquanto sovamos a massa
nossos dedos tocam-se.
Constroem luas.
Silentes, falam de amor.
"Os comunistas são a razão da própria história”
(texto de 2018- minha primeira Festa do Avante)
Com os olhos marejados, um livro de Carlos Marighella na algibeira e as palavra de Marx e Engels no peito: “A História de todas as sociedades até hoje existentes é a história das lutas de classes”, cheguei à 42ª Festa do Avante. Ao pisar neste solo de sonhos fui tomada pela lembranças daqueles que há 48 anos atravessaram Portugal de' bicicleta para organizar clandestinamente a luta dos trabalhadores e do povo contra o fascismo'.
Espantada com tanta beleza e com os sentimentos baralhados, subitamente, emergiu das dobras da memória nomes como Álvaro Cunhal, Bento Gonçalves, Borges Coelho, Rogério Ribeiro, Siza Vieira, Margarida Tengarinha, Virgínia Moura, Maria Lamas, Ary dos Santos e tantos outros que fizeram da sua arte – luta, da sua vida- resistência.
De repente a vida saiu à rua! A vida estava na rua! Rebeldes e sonhadores do mundo chegavam na Quinta da Atalaia. De repente, eu/ multidão, estávamos naqueles 22 mil metros construídos por 12.000 mil trabalhadores voluntários que tiraram parte do seu tempo para reacender o lume no peito de outros tantos sonhadores que iriam passar pela festa.
De repente crescidos e miúdos, passarinhos libertários, ao som da carvalhesa dançavam, cantavam e voavam. De repente um rio de esperança encheu os meus olhos ao ver um mar de gente.
De repente vejo o poeta na sua cadeira de rodas com a mão em punho como se segurasse um lápis e no céu escrevesse a palavra liberdade. Um das cenas mais belas da festa. Seu corpo era um livro-manifesto e o comunismo um re-começo de cantos. Viva Manuel Gusmão!
De repente a lembrança do desenhador Dias Coelho e da sua oficina de falsificação de documentos para dar cobertura às atividades dos militantes clandestinos. De repente comunas do mundo partilhando lutas, sonhos e alegrias.
Na Festa do Avante a mesa – é um lugar de partilha. A comida é diálogo, o olhar é lição e as falas – pontes. Onde estava este povo e seus olhos de esperança?
Primeira Festa do Avante e todos os sentimentos estão assanhados. Sim, um mundo melhor é possível. E como quem já espera a festa de 2019 saúdo todos os comunas do mundo. Todos sonhadores e rebeldes:
ATÉ AMANHÃ, CAMARADA!

Beth Olegário é assistente de investigação do Centro de Humanidades, da Universidade nova de Lisboa (CHAM - UNL).Doutoranda em Estudos Portugueses: Área de Especialidade: História do Livro e Crítica Textual - Universidade Nova de Lisboa (UNL). Integra o Grupo de Investigação: Leitura e formas de escrita vinculado ao Centro de Humanidades (CHAM - UNL) unidade de investigação inter-universitária vinculada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e à Universidade dos Açores. Tem poemas publicados na revista “Mangues & Letras” , da UFRN e crónicas no Jornal “A União”, da Paraíba e na Revista Portuguesa “Gerador”