Amanda Avils ; Nilo da Silva Lima, trad.


Amanda Avils nasceu, em Londres, em 4 de maio de 1975. Aos vinte e três anos conclui mestrado em língua e cultura inglesa. Trabalha por mais um ano em escolas de nível médio em Londres.
Em 2000, transfere-se para Brighton, contratada para uma das disciplinas de um curso sobre língua e cultura inglesa que atrai tanto brasileiros, latino-americanos quanto outros interessados da Europa.
Em meados de 2005, num festival de literatura, Amanda conhece Antony, um poeta de Brighton de quem se torna amiga. Antony se apaixona, platonicamente, por Amanda.
Em 2010, Antony morre num acidente de carro entre Londres e Brighton. Amanda conta que já escrevia uns poemas à época dessa amizade com Antony. Alguns, certamente, estariam num primeiro caderno que me mostrou no trem de Brighton a Londres, quando viajamos juntos pela primeira vez. Intensifica a escrita desses poemas, entre 2010 e meados de 2011, resultando numa coletânea de 38 poemas, manuscritos por ela num caderno com o título “Conversation”. Não havia qualquer referência ao poeta nas páginas daquele caderno.
Esses poemas estiveram sempre em sua gaveta no escritório de sua casa até final de 2012, e foram sendo reescritos a cada tempo. Como se Amanda procurasse o termo exato em que corpo e palavras, palavras no corpo atingissem o corpo das palavras que é o que se deseja com os poemas e pelos poemas.
Quando nos tornamos amigos durante o curso ministrado por ela me conta sobre esses poemas. Porém, só depois de uns dois meses, me mostra esse caderno já encorpado dos poemas quase definitivos com a memória do poeta.
Em setembro de 2013, voltando para o Brasil, sou surpreendido, na estação de Brighton – Brighton Railway Station –, com Amanda que me entrega um envelope contendo uma cópia da coletânea de seus poemas para Antony. Surpreendo-me, ainda, com um ofício, lido durante o voo de Londres para o Rio de Janeiro, em que Amanda me autoriza a tradução e a publicação desses poemas para o Português. Eu tinha manifestado interesse, mais pela história deles do que numa versão dos poemas.
Em 2014, faço a tradução desses poemas para o Português. enviando uma cópia para Amanda. A coletânea que Amanda chamara finalmente de “Poems to Antony”, assim aparece em Português, como certamente iríamos chamá-lo por aqui mais intimamente, apenas “Poemas para Antônio”.
Em 2015, Amanda me autoriza de fato a publicação dessa coletânea em Português. Porém, veta qualquer edição bilíngue dos poemas, o que infelizmente furta ao leitor o acesso aos poemas originais.
“Poemas para Antônio” se trata, pois, de uma coletânea de 38 poemas, todos com títulos escritos usando a grafia em minúscula, como me explica Amanda, que “o amor há de ser comum, singular, porque só assim pode-se tornar especial e plural”. Esse é para Amanda o mistério e a própria simplicidade da poesia.
Seguem os poemas, especialmente, selecionados para essa mostra. A disposição dos poemas, aqui, não obedece à ordem constante do livro.
visitação
ontem você veio
esqueceu em minhas mãos seu último poema
em minha boca
o gosto insubordinado da língua
em meus olhos
uma palavra e o silêncio
e o meu corpo todo
se iludiu de novo de que você nunca para de chegar
estado primaveril
além do mar morno
Brighton se abre em flores,
sinto falta
dos teus olhos, do teu desejo, de teu pensamento, de tuas mãos
enfim, de todo teu corpo
que floria o meu diariamente
de infindas flores de palavras
escritas a sangue e verbo
cujas pétalas, quais doces púrpuros lábios
encantavam as estações de Primavera
o tempo chegou!
agora experimento a memória desta floração
que estendeste pelas páginas
que ao sol do verbo
nutre o corpo e a alma contra o voo do tempo
conversa
os bicos dos meus seios
doem a adorável rigidez do desejo
não sei porque páginas
anda a tua Língua
abro a blusa
caminho nua pela sala até à estante
(o verão não anuncia mais promessa alguma!)
folheio teu último livro
meu corpo está ali por todas as páginas
e agora tenho apenas as palavras
para colher em mim
todas estas flores do meu desejo
que ainda floresce por ti
jardim de flores e metáforas
você faz do meu corpo
um amplo jardim
de flores e metáforas
de mãos
que há, e que me tocam
apenas de palavras
por vezes sinto falta
do cheiro do corpo, do vinho
do que o deseja exala
de uma sóbria embriaguez
que antecede, excede às páginas
por essa contingência da carne
impossível às flores e às metáforas
recepção
abrem-se
todos os meus jardins,
do mais secreto ao mais visível aos olhos
faça-se
por toda parte de mim a mais recente
estação de flores
encontre em mim
o meu poeta vindo de longo deserto
a água, o mel, o vinho, os lábios
e a noite
enfim, salvo em meus braços
silêncio
entre as vozes que se calam
o verbo de teus olhos
e o alarido de tua passagem por mim
profecia
eis o tempo
em que de ti tenho apenas a palavra
que esvaziaste ao extremo do vazio possível a quem escreve
para habitá-la de mim, de meu corpo por todos os cômodos
carrego-te comigo
na ilusão de que por detrás da palavra
arrastada a cortina do tempo
ou apagadas as sombras do lápis
sempre poderei te tocar
assim que uma delas caia de novo nua em meu corpo
dois caminhos
Antônio, meu menino,
desejarás sempre todas as palavras
pela minha nudez
não a completa nudez de meu corpo
(que sabes e não sabes)
mas a que imaginamos sempre com o que ainda fica
de mim por se despir
eu, ao contrário,
preferirei sempre tua nudez
a qualquer palavra
ainda que se exaure nesse desejo
a nudez que somente as palavras guardam
a leveza de tua língua estendendo-se pelo meu corpo
cântico dos cânticos dos galos na madrugada
há pouco cantou o primeiro galo nessa madrugada
ah, esses galos de Brighton! há quanto não os ouvia mais!
(os amantes amam os galos que cantam nas madrugadas os amantes não se irritam com os galos que cantam nas madrugadas
os amantes leem a voz que há na voz dos galos que cantam nas madrugadas)
e envolvo meu corpo de novo
ao calor dos lençóis
que ainda permanecem mornos
mas escondem a ausência de seu corpo
pelas dobras do tecido
que roça minha pele pelo avesso frio do tecido
contigo agora tão longe de nós
confissão
menino,
ontem eu depilei minhas pernas, fiz minhas unhas (mãos e pés), cortei o cabelo curtinho, passei rímel, batom Eyeko, calcei sandálias Kirkwood, pus um vestido estampado, um Red Valetino, riso nos lábios, arrepio nos seios e na pele, os olhos nus, os braços nus, os pés nus; nuas as costas, as pernas; nua a boca, a nuca, a alma; nuas as palavras – elas!
e saí contigo no peito
para te mostrar a cidade nesses dias a céus azuis
voltei tarde
ah, menino, eu ainda te amo do mesmo jeito
orquídea de Brighton
uma orquídea de Brighton
não tem o rigor
de veneno ou de encantamento
sobre o menino
a revolver a língua com as próprias mãos
em busca de arrancar do corpo dela
o chão que lhe mortaliza a beleza efêmera
vertigem*
as tuas flores de palavras
Antônio,
a me encherem o desejo
de posse e de textura
como o beijo a fio de metal da língua
escrita em minha nuca nua,
tua obsessiva demora a te deter em mim
* Esse poema tinha fica esquecido da tradução, porque Amanda o escrevera no verso de uma das páginas da cópia, permanecendo oculto até à organização dessa mostra de poemas.
(Tradução e síntese biográfica – Nilo da Silva Lima)

Amanda Avils ; Nilo da Silva Lima, trad.