CAMÕES DA PRISÃO DE GOA A JÚLIO POMAR


Até 1972, entendia-se unanimemente que o retrato mais antigo de Camões era o de Fernão Gomes, que se datava entre 1573 e 1575, portanto em vida do grande poeta. Em 1972, Maria Antonieta Soares de Azevedo, no 4º centenário da publicação de OS LUSÍADAS, revelou a existência de um retrato de Camões na prisão, datado de 1556.
Ao contrário do retrato de Fernão Gomes, o retrato de Camões na prisão apresenta-nos um Camões ainda novo. E, embora o retrato esteja longe da perfeição que os artistas da época buscavam e se encontra na obra de Fernão Gomes, ele retrata Camões com uma autenticidade maior que o de Fernão Gomes, em que Camões nos aparece representado como um áulico e não como o pobre que foi a vida inteira. Vários autores (v.g. Vasco Graça Moura) pretendem que se trata de um retrato de prisão que pretende traduzir a realidade. Mas não pensamos assim. O retrato está cheio de simbolismo: Camões surge com o gibão roto, com a mão esquerda estendida onde se encontra depositada uma moeda, como um pobre de pedir, e a mão direita segurando uma escudela com magra ração. Mas à sua volta tudo respira sabedoria: o manuscrito de OS LUSÍADAS ( certamente o Canto X), os mapas e os livros que serviram de alicerce ao seu grande poema. Do lado esquerdo da obra, vemos o que certamente será a fachada da prisão. E, ao alto, à direita, pintada na pedra, uma coruja, o símbolo da sabedoria.
As cores variadas e intensas, com predominância das tonalidades amarelas, tornam um retrato que poderia ser de apagada tristeza numa exibição luminosa da grandeza do poeta.
O Camões de Júlio Pomar não tem essa luminosidade: nela predominam cores frias, o verde e o castanho. A acentuar o frio da obra, a boina de Camões foi transformada numa auréola escura. As cores claras encontram-se apenas no manuscrito, na escudela agora vazia, no rasgão que passou do gibão para os calções. Mas as pernas, que na obra quinhentista são mostradas com humana fragilidade, na obra de Pomar surgem com a força de pilares que podem sustentar o símbolo da Pátria.
Henrique Dória