Carlos Matos Gomes


Há umas semanas o jornal espanhol El País publicava um artigo sobre a Espanha vazia. Sobre o fenómeno que, a partir dos anos 60, esvaziou a Espanha rural. Um fenómeno idêntico ocorreu em Portugal. Em Espanha parece estar a surgir uma geração de escritores e de cineastas que tomou consciência dessa profunda mudança da sociedade, revelando as aldeias abandonadas. Em Portugal, depois da geração dos escritores e cineastas da guerra colonial, a nova geração está ainda hipnotizada pelas luzes da cidade… incapaz de ver e, menos ainda, de reflectir o vazio.
As aldeias abandonadas de Espanha e de Portugal são um dos resultados do vazio do projecto europeu do pós-guerra. São simultaneamente reais e simbólicas. As aldeias vazias do pós-guerra recordam-me o castelo templário do Almourol, isolado e vazio no meio do Tejo, junto a Tancos e à Barquinha onde nasci.
Em Portugal, após o inevitável fim das impossíveis soberanias coloniais – inevitável porque contra a ordem mundial imposta pelos vencedores da II Guerra e impossível porque contra os objectivos finais do colonialismo de lucrar com a exploração barata de matérias-primas e a transformação em produtos de alto valor –, restou um vazio disfarçado com o objectivo nacional da integração europeia. O novo desígnio. A bebedeira foi curta, mas provocou uma ressaca profunda. Hoje vivemos a ressaca do vazio que, por um lado, criámos e, por outro, encontrámos.
Retornámos (somos todos retornados) à Europa e o que podia ter sido integração no regresso ao novo continente, de onde havíamos partido, foi uma feira de feirantes mal-encarados, a vender produtos caros e de pouca utilidade. Encontrámos o vazio das montras de eletrodomésticos, dos stands de automóveis, dos centros comerciais. Desembarcámos no vazio de um centro comercial.
As aldeias rurais a que se referia o El País transferiram-se para os shopping center. Os camponeses e as camponesas são caixas de supermercado. A memória que lhes resta é a de um saco de plástico. O seu objectivo de vida é o de fechar a caixa, ou a loja. Mas as aldeias abandonadas da Espanha e de Portugal podiam continuar habitadas por homens e mulheres se a Europa procurasse o seu futuro nas ´suas raízes ramificadas, se a Europa não se tivesse deixado estrangular pelos seus vencedores, ou se quisesse libertar-se deles.
O vazio das aldeias de Espanha e de Portugal é o vazio da Europa sem nada de seu para oferecer aos seus cidadãos, a não ser produzir e vender o que os seus novos senhores designam em inglês por utilidades e comodidades. É um triste vazio o da Europa, que uns classificam como melancolia e outros como depressão profunda.
A cura da tristeza da Europa, de uma tristeza real feita do seu vazio, não se alcança com apelos guerreiros de retorno a uma imaginária grandeza passada, aos nacionalismos e aos isolacionismos demagógicos. A cura não se faz com as receitas que causaram a doença, que provocaram as guerras que estão na sua origem.
A cura do vazio da Europa consegue-se procurando um conteúdo europeu para preencher as aldeias abandonadas. Consegue-se encontrando motivos pelos quais valha a pena lutar, um destino para a Europa ganhar o seu lugar no Mundo, que não seja o de apêndice dos Estados Unidos, uma Disneylandia.
As aldeias abandonadas da Espanha e da Europa devem ser recuperadas como aldeias europeias, habitadas por europeus, defendidas por europeus. O vazio da Europa tem de ser preenchido com europeus, atraindo os europeus, unindo-os à volta da sua cultura e dos seus valores. As aldeias abandonadas têm de se reorganizar à volta da torre de menagem de um castelo onde nos possamos reconhecer enquanto europeus.
Repovoar as aldeias abandonadas da Europa é um projecto oposto ao que tem sido seguido entre a sacralização dos mercados financeiros e o laxismo cultural.

Carlos de Matos Gomes