Claudinei Vieira


nestas ruas nestas ruas
há gentes e gentes
o ódio escorre por entre as drágeas
das bocas de lobo sorrateiros
e lhe pega se esfrega
e lhe lambe lhe carrega para dentro
das bocas de lobos sorrateiros famintos
nestas ruas nestas ruas
há pouco espaço para as botas envernizadas
dos saltos empedrados das calças
de uniformes envernizadas meio que escondidas
pelas paredes de escudos lindos envernizados
e, mesmo assim, ah, estão elas aí,
nestas ruas nestas ruas
sinto dizer,
a alegria e as reviravoltas
de pequenos turbilhões,
o êxtase e as epifanias
das pequenas estrondosas revelações,
o furor e o estrondo de orgasmos cósmicos,
o terremoto de amores e paixões estratosférico,
não tem mais lugar nestas ruas nestas
sinta as pedras das calçadas trocadas
vibrando
veja as janelas italianas dos prédios açucarados
tremendo
perceba a falta de corações por dentro dos uniformes
metalizados escorreitos envernizados
eles vieram tomar conta destas ruas destas ruas
se é que algum dia realmente não estavam
mas, pensemos
(as palavras são poucas), mas pensemos
(as esperanças são pífias) mas pensemos
a poesia ainda está presente
a poesia, e muita ainda, está latente
a poesia, e tanta, ainda está somente patente
nestas ruas, nestas!, nestas mesmas ruas,
naquelas mesmas bocas de lobo,
nestes mesmos chãos batidos pisados trincados
pela botas envernizadas estúpidas
ou pelos paletós e gravatas facínoras
ou pela retórica vazia hipócrita assassuba
nestes mesmos chãos cobertos de lama,
merda, suor, sangue negro, negro,
nestas mesmas ruas nestas mesmas inundadas
de lama, merda, suor, sangue negro, negro,
e mesmo assim: a poesia ainda presente!
e, talvez ainda,
um pouco de humanidade
-
ainda sobraram ruas sem verniz
claudinei vieira



CLAUDINEI VIEIRA, autor do livro de contos ‘Desconcerto’ (selo Demônio Negro, 2008), ‘Yũrei, Caberê (poesia, editora Patuá, 2015, integrante da coleção Patuscada, premiada pelo ProaAC - Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo), e ‘Olá, pequeno monstro do dia’ (poesia, editora Benfazeja, 2016), além de participação em várias antologias de contos e poesia, como ‘Visões de São Paulo’ (Tarja Editorial, contos), “Doze” (selo Demônio Negro, contos), ‘Sobre Lagartas e Borboletas’
(Scenarium, poesia), ‘Golpe: Antologia-Manifesto’ (ebook, poesia). Há vários anos vem escrevendo ativamente pela web em vários sites, portais, revistas eletrônicas, tanto com textos literários quanto artigos, resenhas, crônicas, pequenos ensaios, em espaços importantes na história da internet cultural do país, como na extinta página de literatura do portal Ig, o IgLer, sites como Paralelos, Capitú, Verbo 21, Zunái, Cronópios, e mais recentemente, Germina, Mallarmargens, Gente de Palavra (esta na versão impressa quanto na online). Organizador de eventos e encontros literários culturais, atualmente dos Desconcertos de Poesia que, depois de atravessar por várias localizações pela cidade de São Paulo, como Sebo do Bac, Praça Roosevelt, livrarias, bibliotecas e bares, e Casa das Rosas, acontece no Patuscada - Livraria, Bar & Café, na Vila Madalena, SP.
Ainda por cima, é paulistano da gema. Mas não tem sotaque.