Cultura

O quântico

 

O que sinto não sabe ter freios.

Meu peito aposta corrida para conter os batimentos cardíacos. Meu coração vive em saltos e meu corpo se adianta para contê-lo.

É cansativo.

É em estado de graça e também de extrema urgência que vivo.

Meus dias são de uma luminosidade leitosa que se derrama por todas as coisas e por isso, às vezes, fico inerte. Não me movo. Pois se me movo sinto que a ordem das coisas se desencaixa.

Não é seguro viver em mim.

Não é.

O que me toma a rédea do pulso é sempre fatal.

Não sei ser amena e constante. Sou de uma imprecisão absoluta.

Repito as palavras que escrevo devido ao espanto que elas me causam.

As letras me desenham um norte para um lugar onde sei que faz frio e eco.

E para tentar ser salva, aliso as paredes do hoje e sinto o mesmo tato de séculos atrás vibrando dentro delas.

Não há jeito.

Pobre de mim que sou tão livre.

A cortina entre o que vivo e o que sonho se torna cada vez mais fina. E exatamente por isso, tudo vai ficando cada vez mais distante.

Sou aquela que sonha e que chega ao alcance do que sonha sempre tarde demais.

Para mim é sempre meia hora antes ou meia hora depois.

O quântico ri dos meus passos.

Anseio o dia em que eu saia na rua apenas para caminhar em minha direção.

O dia em que eu possa pisar em um chão que não se mova.

É o que quero.

Mas aceito a curva sádica das circunstâncias.

Cumpro o que me foi imposto e prometido.

E sigo.

Entre o voar e o cair não há nenhum mistério.

Pobre de mim que sou tão livre.

 

Beatriz Aquino é formada em Publicidade e Propaganda e é atriz de teatro. Tem publicados os livros:  Apneia (romance), A Savana e Eu (crônicas), Anne B.  – Sobre a Delicadeza da forma (romance) e Caligrafia Selvagem, lançado em Julho de 2020. Vive atualmente em Portugal.

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