Política

O enigma do arranjo geoestratégico | Artur Alonso

“A suprema arte da guerra é derrotar o inimigo sem lutar” 

(Sun Tzu “A arte da guerra”) 

 

O pivô geopolítico 

 

Num artigo publicado, em 1904, para a Royal Geographical Society, Halford John Mackinder criou o conceito do pivô geopolítico, localizado na Heartland; um território focado no centro da Eurásia, estendendo-se do Volga ao Yangtzé e do Himalaia ao Ártico. 

 

O Estado que controlasse a Heartland teria acesso aos mares abertos do Atlântico, Pacifico, Índico, Mar Vermelho e Mediterrâneo. Controlando a Ilha Mundo, desde a Eurásia à África do Norte, dominando os Montes Urais e o istmo de Suez. 

 

Para evitar o controle da Ilha Mundo por parte do poder Russo, os Britânicos sempre utilizaram a estratégia da “anaconda”, de contenção do Império Russo, domínio das suas fronteiras e tentativa de ir cercando o gigante euro-asiático, até provocar o seu estrangulamento. Estratégia ainda em uso por parte do poder ocidental actual, mas com menos força efectiva, em estes momentos. 

  

Para realizar esta contenção era vital controlar as Rimland, ou territórios limítrofes do poder Euroasiático, como a China, a Europa ou o Oriente Médio; segundo a doutrina de J. Spykman, controla o mundo aquele que é capaz de cercar a Eurásia. Não existindo, para Spykman, outra hipótese que o cerco da Eurásia, pela América ou o cerco da América pela Eurásia. 

 

Com a perda do Afeganistão, aparenta os EEUU ceder parte do controlo do pivô geoestratégico hegemónico em favor da China e Rússia, perdendo grande capacidade de cercar a Eurásia. Mas não adiantemos acontecimentos futuros. 

 

A rota Chinesa em marcha 

 

Não podemos ainda prever, como vai configurar-se o próximo cenário no Médio Oriente e que repercussões terá a retirada norte-americana do Afeganistão, em particular entre os países de maioria islâmica (sabendo a comunidade muçulmana abranger perto de 1.800 milhões de pessoas). A retirada de tropas não significa directamente a retirada das equipas e serviços de inteligência. Um pequeno reduto do Pashmir, de etnia tayika, pode servir de base, para incendiar de novo a zona. No entanto, tanto o Tajiquistão como o Paquistão, estejam mais interessados na oferta comercial e económica da nova rota da seda chinesa, algo que pode resultar num bom factor de estabilização se souber mover as fichas adequadas. 

 

Sendo o Irão já membro da Organização de Cooperação de Xangai (e tendo a China intenções de investir perto de 400 mil milhões de euros em infra-estruturas no país, nos próximos anos, para garantir o petróleo necessário para a sobrevivência da sua indústria em expansão); sabendo do corredor geoestratégico Irão, Paquistão (que oferece saída para o mar à China, livrando o escudo ocidental de pressão sobre os mares orientais); somando agora o Afeganistão, num cenário de estabilização da região, favorecer-ia iminentemente os interesses geopolíticos de Pequim e Moscovo, como a activação dum poder Euro-asiático, que pode mesmo afectar a posição privilegiada de Israel.  Algo que Ocidente em boa lógica vai tentar evitar. 

 

O império em decadência 

 

O Ocidente deve, pois, manter a pressão sobre o Oriente Médio pois a virada do pivô geopolítico pode afectar seriamente a hegemonia global do império ocidental. 

 

Mesmo uma virada geopolítica da Índia, firme aliada de Ocidente, mas sempre com a mão estendida a Moscovo (de cujo armamento mais se nutre) seria uma possibilidade a longo prazo, em caso das grandes rivalidades com a China serem suavizadas pela Rússia, no seio dos BRICS. O mercado indiano é similar em dimensões e expansão como o chinês (ainda que não tão regulamentado e firme) e não pode ser deixado de lado pelo Ocidente. 

 

Em este entorno, a Índia se torna prioritária para uma aliança de confronto com Pequim. Sendo a Austrália, o Japão, a Grã Bretanha (virada a favor da Commonwealth, uma vez retirada da Europa) e a Coreia do Sul o muro de resistência contra a China, em aliança com o Vietname comunista. 

 

Desde a implosão do poder económico ocidental em 2007-2008 (bolha que atingiu Wall Street e Londres, significando a quebra do máximo biológico de expansão imperial), a contracção inerente começou a deixar espaços vazios, onde novas potências se começaram a situar. 

 

Tendo o Afeganistão sido o ponto de inversão de 5 Impérios (Persa, Grego, Mongol, Britânico e Soviético), não seria estranho imaginar o derrube final do Império Ocidental a partir da queda “iminente?” dos EEUU… Mas como sempre, não devemos adiantar acontecimentos, no entanto existem já dados muito preocupantes sobre a saúde real dos Estados Unidos. 

 

Em recente palestra feita, a 27 de Junho deste ano, em The Sanctuary for Independent Media, em Troy, Nova York, o jornalista Chris Hedges qualificou a sociedade norte-americana como uma sociedade baseada na simbologia do sadismo: “O sadismo caracteriza quase todas as experiências culturais, sociais e políticas nos Estados Unidos. Expressa-se na ganância desenfreada de uma elite oligárquica que viu a sua riqueza aumentar durante a pandemia em 1 100 milhões de dólares, enquanto o país sofria o maior aumento da sua taxa de pobreza em mais de 50 anos. Expressa-se nas mortes arbitrárias cometidas pela polícia sobre cidadãos desarmados em cidades como Minneapolis. Expressa-se nas “técnicas aprimoradas de interrogatório” usadas pela CIA nos seus locais secretos, na Baía de Guantánamo e nas prisões nos próprios EUA. Expressa-se na separação das crianças de pais sem documentos, crianças que são detidas como se fossem cachorros num canil. Expressa-se na pornificação da sociedade americana, onde mulheres são torturadas, espancadas, degradadas e sexualmente violadas (…) Expressa-se no sistema predatório de saúde, onde, como escreve Steven Brill , uma ida à emergência por dores que acabam sendo por indigestão pode ultrapassar o custo de um semestre na faculdade; um simples trabalho de laboratório feito durante alguns dias num hospital pode ser mais caro do que um carro novo e um medicamento que exige 300 dólares para ser fabricado, que o fabricante vende para um hospital por 3 000 a 3 500 pode custar ao paciente 13 702. Nos Estados Unidos é legalmente permitido que empresas de saúde mantenham crianças doentes como reféns enquanto seus pais se endividam até à falência para salvar seus filhos ou filhas.” 

 

Esta visão que, em princípio, pode resultar em exagero e não avaliável ao total da população norte-americana, nem mesmo a toda sua elite, não deixa de mostrar mais uma face da decadência da outra hora pot
ência-guia dos cânones científico, cultural e social do mundo. Assim como dos seus grandes problemas económicos, derivados da lenta agonia do modelo financeiro que sustenta, ainda, a potência norte-americana. 

 

Problemas económicos derivados da hiperinflação, encoberta pelos estímulos monetários; infraestruturas em estado de deterioração prolongada; complexo militar industrial demasiado grande para afrontar a nova realidade geopolítica de contracção; cadeia de suprimento empresarial em dificuldades crescentes, pobreza em aumento; distribuição das rendas e da riqueza cada vez mais injusta (perda alarmante de poder aquisitivo da classe média; concentração dos fluxos de capital em favor duma elite financeira)… Mostra que o modelo americano de democracia financeira e poder privado corporativo já não é muito atraente sendo que no Oriente esse abandono do modelo civilizatório norte-americano é já um fato inquestionável. A ideia duma futura sociedade global tecnotrónica (idealizada pelo falecido Zbigniew Brzezinski, assessor dos presidentes Carter e Clinton e promotor da “armadilha” afegã contra os soviéticos), onde o poder privado das elites mundiais se uniria num modelo ocidental multicultural, de economia capitalista, está já ultrapassada. O capitalismo está já em vias de transformação, prévia a sua extinção: a ideia Vaticana, da Rockefeller Foundation e da Casa Rothschild da criação dum “Capitalismo Inclusivo” vai neste sentido. 

 

 

A renovação ecológica 

 

A nova virada em favor duma sociedade mais sustentável ecológica e economicamente também assenta nessa realidade de procura de solução ao fim do modelo predatório actual. A encíclica “Laudatus Si”, em favor da nossa casa comum (Planeta Terra), de 24/05/2015, dá início a esta nova senda verde, na procura dum novo modelo para guiar o mundo. Junto a ela a Agenda 2030 da ONU, com os 17 objectivos de “Desenvolvimento sustentável”, baseada na Agenda 21, concretizada no Rio de Janeiro no ano de 1992, com a presença de mais de 100 chefes de Estado (primeira carta de intenções para promover, em escala planetária, um novo padrão de desenvolvimento para o século XXI), removem os marcos actuais para uma nova caminhada, quer gostemos ou não, já está em andamento. 

 

Ainda que não é todo ouro o que brilha sob o sol. 

 

O consumo anual de combustível de todas as linhas aéreas norte-americanas é de 19 mil milhões de galões ao ano. O consumo de combustível de mineração para a construção de baterias de automóveis eléctricos é de 21 mil milhões de galões anuais. 

 

Tendo em conta que, com esses 21 milhões de galões queimados, somente se pode construir 250,000 baterias para estes automóveis eléctricos assim como estas baterias eléctricas somente duram 10 anos e não são renováveis… Se se fizer a mudança para este tipo de carros, qual a sua pegada ecológica verdadeira? Como solucionar os vertedouros de baterias não recicláveis? 

 

Como vemos neste exemplo, deixar a energia fóssil por fontes renováveis vai ser uma viragem mais longa do que o anunciado… 

 

A geopolítica do petróleo ainda acompanhará, com menos peso do que a do lítio e das terras raras, enquanto o desenvolimento tecnológico ainda não permitir implementar em toda sua dimensão a mudança de modelo económico, cultural e social. Mas a virada para a Agenda 2030 é já inquestionável. 

 

O Afeganistão tem grandes possibilidades na mineração do lítio e das terras raras, daí o seu controle dá uma grande vantagem geopolítica… 

 

O negócio das guerras 

 

Se tivermos em conta de que dos mais de 2 milhões de milhões de dólares gastos na campanha do Afeganistão, perto de mil milhões de milhões foram directamente parar às arcas das Corporações norte-americanas do Complexo Militar Industrial, assim como 700 mil milhões foram para pagar juros bancários aos bancos pertencentes as mesmas famílias da elite dos Estados Unidos, bem poderíamos afirmar que, para o Poder Privado financeiro, a guerra é um bom negócio. 

 

O Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo afirma que de 2002 até 2018, a venda de armas no mundo aumentou em 47%. Este aumento não ajuda a criar dinâmicas de paz no planeta. 

 

As Grandes potências são directamente beneficiadas por este aumento. Em 2018, a Lockheed Martin, estadunidense, mantinha uma quota de 11% das vendas globais em Armas. Como estes países: a Rússia com um 8,6% e a Grã Bretanha com um 8,4%, são junto aos EEUU, os grandes beneficiários globais. Da China, de momento, não temos dados fiáveis. 

 

Faixas de fricção como a Líbia, a Síria, o Líbano, dentro do famoso pivô de Mackinder, cujas periferias deviam estar controladas, segundo Spkyman, pelo poder Americano (poder talasocrático) para impedir o provável cerco da América pelo poder Euro-asiático (poder telurocrático); são, sem dúvida, alarmes globais, centelhas que podem incendiar um fogo mundial. Mas, todavia, quando os iniciais perdedores desta saída precipitada, mas pautada (já na era Trump, acordo respeitado por Biden), das tropas norte-americanas são atores regionais importantes como a Índia, Israel, Turquia, aliados dum Ocidente em declínio, que aparenta deixar espaços livre importantes em favor, momentanemente, da Rússia, da China e do Irão… 

 

 

Necessário Arranjo Global 

 

Tendo em conta a situação actual: o anúncio de muitos analistas económicos da quebra dos EEUU, a ascensão impáravel da China, a pandemia global, a queda do dólar como moeda de referência mundial.

 

A ascensão do mercado do Bitcoin, a corrida ao ouro eà compra de terras… 

 

A necessidade de substituição do atual modelo económico predador…

   

A necessidade das Companhias Norte-americanas de se manterem no mercado chinês (uma das causas pelas quais perdeu Trump a guerra económica)… 

 

Sabendo que, apesar de grandes avanços nos três tabuleiros geopolíticos (Militar, Económico e Cientifico – social – cultural) tanto da China como da Rússia, nenhuma destas potências alcançou todavia a tónica evolutiva do Ocidente (cujo máximo de expansão foi o Estado de Bem Estar, hoje desmantelado após a toma do Estado pelo poder financeiro)… 

 

Tendo em conta a proliferação armamentista, armas nucleares dissuasórias, preciso seria para todas as partes, em concorrência pela hegemonia global, tentar chegar a um arranjo, momentâneo, que evite a guerra em cerne por excesso de roçamento nas faixas de fricção mundial. 

 

A necessidade deveria criar a realidade. 

 

Aguardemos a sangue frio, bom raciocínio e saber abrir a mão, dentro duma relação equitativa, que prevaleçam sobre os instintos mais baixos do medo e da desconfiança. 

 

Primeiro passo: abrir um clima de confiança mútuo, através duma tentativa de equidade nas relações comerciais, com maior reciprocidade e fomento da ajuda mútua e mútuo conhecimento entre os povos. 

 

 

Daí que para resolver o novo enigma deste novo arranjo geoestratégico, serão precisas mais pequenas acções concretas, por trás da plateia, que grandiosas palavras dentro do bonito palco.

 

“Os mais fortes de todos os guerreiros são estes dois: Tempo e Paciência”

Leon Tolstói (Guerra e Paz)

 

 

Artur Alonso: escritor com vários livros editados de teatro, poesia, ensaio e romance… Ex diretor do Instituto Galego de Estudos Internacionais e da Paz.

Ex secretario do Instituto Galego de Estudos Celtas.

Membro do Conselho Consultivo do Movimento Internacional Lusófono.

Membro de Honra da Associação de Escritores.Mocambicanos na diáspora.

Membro do Conselho de Redação da Revista Identidades, etc.

 

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