Cultura

Nomes em “-Zinho” | José Augusto Carvalho

Algumas gramáticas ensinam que “–zinho” é alomorfe, isto é, uma forma diferente do sufixo “–inho”, formador de diminutivos. Veremos mais à frente um conceito melhor de “alomorfe”. Outras gramáticas ensinam que “-zinho” é apenas o sufixo “-inho” com uma consoante de ligação. Chama-se “consoante de ligação” a consoante que se apõe entre a palavra primitiva e o sufixo, para facilitar a pronúncia. Por exemplo: ao lado de “licor” temos “licoreira” (acrescento o sufixo “–eira” a “licor”). Mas, para acrescentar o sufixo “-eira” a “chá”, preciso pôr uma consoante entre ambos: cha-l-eira = chaleira. Esse –l- é uma consoante de ligação. Mas o –z de “–zinho” não é consoante de ligação, porque, ao lado de “devagarzinho”, “florzinha”, “papelzinho”, “colherzinha” e “anelzinho”, por exemplo, temos “devagarinho”, “florinha”, “papelinho” “colherinha” e “anelinho”, sem o -z. E não temos “chaeira” ao lado de “chaleira”. Ao formarmos o plural de “florinha” ou de “papelinho”, basta-nos acrescentar um –s ao sufixo: “florinhas”, “papelinhos”. Mas, para formar o plural de “florzinha” ou de “papelzinho”, somos forçados a flexionar também a palavra primitiva: “florezinhas”, “papeizinhos”.  Acrescente-se que uma lição unânime entre os linguistas ensina que uma palavra flexionada no plural não pode receber sufixos, o que vai ao encontro da ideia de que “-zinho” não é um sufixo.

 

    Se considerarmos “-zinho-” um alomorfe de “-inho-” ou o “z” uma consoante de ligação, teremos de considerar que existe flexão interna de plural. Em português, a flexão interna só ocorre por alternância vocálica, como em: pôde/pode, sogro/sogra, ovo/ovos. O caso de “quaisquer” não é exceção: “quaisquer” é plural normal de “qualquer”, formado de “qual”, pronome, e “quer”, verbo. “Qualquer” parece exceção porque se escreve numa palavra só. Por isso, ou consideramos “–zinho” um adjetivo preso ao substantivo (em “flores-zinhas” e “papeiszinhos”, o –s do primeiro elemento, em posição de neutralização, soa também como z), ou consideramos “zinho” um sufixóide, de acordo com a lição do linguista português Herculano de Carvalho, no seu livro Teoria da linguagem (Coimbra: Atlântida, 1974, vol. II, p. 549-50). Para ele, sufixoides são os elementos que, embora análogos aos sufixos, “por alguma ou algumas das suas propriedades não cabem inteiramente dentro dessa categoria”  (p. 554). Essa, aliás, é a lição adotada por Celso Cunha e Lindley Cintra em sua Nova gramática do português contemporâneo (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, p. 91, rodapé).     Dessa forma, “-zinho”, que só não pode ser usado com palavras terminadas por –s ou –z, como em “lápis-lapisinho”, “país-paisinho”, “luz-luzinha”, “cruz-cruzinha”, em que se usa apenas “–inho”, não é um alomorfe de “–inho”. Chama-se “alomorfe” uma forma que se apresenta em uma palavra diferentemente de como se apresenta em outra palavra, mas com a mesma significação, como “strel”, em “estrela”, diante de “stel”  em “constelação”, ou “i-”, em “ilegal”, diante de “in-” em “indizível”. Portanto  “-zinho” não é sufixo, mas sufixoide. Na lição de Herculano de Carvalho, as formas “-mente” e “zito” também são consideradas sufixoides. E formas como “mini-”, “maxi-”ou “micro-” são consideradas prefixoides.

 

           Mário Barreto, no livro Através do dicionário e da gramática (Rio de Janeiro, Livraria Quaresma, 1927, p. 225-6) apresenta exemplos de Manuel Bernardes, coligidos por Antônio Feliciano de Castilho, em que o substantivo no plural aparece com –s antes do sufixoide “-zinho” como em “ladrõeszinhos” e “murmuraçõeszinhas”, e acrescenta exemplo de Garcia de Resende: “gibõeszinhos”, o que comprova a lição de que “-zinho” não é sufixo. Assim, o plural dos nomes em “-zinho” se forma como se “-zinho” fosse um adjetivo preso, suprimindo-se o –s da palavra à qual se acrescenta “-zinho”: animal – animais – animai(s)zinhos; flor – flores – flore(s)zinhas. Erram, portanto, os falantes que dizem “mulherzinhas” ou “barzinhos” por “mulherezinhas” e “barezinhos”, por exemplo.

José Augusto Carvalho, Mestre em Linguística pela Unicamp e Doutor em Letras pela USP, é autor de várias obras sobre língua portuguesa, entre as quais: Gramática Superior da Língua Portuguesa, Estudos sobre o Pronome, Pequeno Manual de Pontuação, Problemas e Curiosidades da Língua Portuguesa, todas pela Thesaurus, de Brasília.

 

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