Cultura

Dois poemas | Beatriz Aquino

BÍPEDES

 

Sou bípede.

E ando.

Por baixo dos porões dessa cidade fria,

sobre-humanos rastejam conspirações e silabam duras verdades.

Mas a voz não chega.

Dos esgotos e valas tudo é mera estatística.

Saneamento básico.

 

A fala do povo é um murmúrio inaudível,

 cansado.

Sem direção e sem amparo.

 

Por cima, o que se vê é um grande formigueiro.

A matilha ordeira se colore.

Trocam presentes e sonhos.

Esquecem que um vírus lhes entrincheira os pulmões.

E dormem cevados e alheios.

 

É Natal.

Uma criança chora.

E não é o menino Jesus…

 

 

 

***

 

 

 

NADA TEMA

 

 

Nada tema.

Tudo segue a contento.

O rio em que pisas há de lamber a dor dos teus passos.

Na outra margem dele,

armas vorazes e também mãos amigas.

Porque é preciso equilíbrio.

 

Não te inquietes.

O vento frio há de soprar pra longe a arrogância dos teus dias ensolarados.

A ausência na noite te ensinará a ternura no próximo toque.

 

Espera,

agora que a relva seca.

Que as árvores não te dão abrigo.

Que os sorrisos se escondem por trás das máscaras.

Tudo é providência para que teu semblante se torne mais ameno.

 

E ao atravessar a ponte dos teus dias, acabrunhado e roto, verás que apesar de curvado e porque não dizer um pouco triste,

a serenidade se apossou gentilmente dos teus ossos.

E é então que aprenderás a cantar para o vento.

 

Beatriz Aquino: atriz, escritora e entusiasta do impensável.

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