Política

Criminalizar a oposição e manifestações, essa é a urgência

O jornalismo do site UOL levantou uma bola: teve acesso a uma carta confidencial de relatores da Organização das Nações Unidas ao Ministério das relações exteriores. Nessa carta, segundo matéria de Jamil Chade do dia 23 de junho, sete relatores manifestam a preocupação das Nações Unidas com projetos de lei que estão tramitando em ritmo acelerado no Congresso Nacional, visando a revisão da lei antiterrorismo.

 

A lei antiterrorismo no Brasil foi sancionada no dia 17 de março de 2016 pela presidente Dilma Rousseff. Ela circulou no Congresso Nacional de 2013 até 2016, e dois fatores motivaram a lei. Um dos fatores já estava ultrapassado quando de sua sanção, os grandes eventos; a Copa do Mundo tinha acontecido em 2014 com absoluto sucesso de organização estatal e as olimpíadas estavam em andamento com segurança e controles muito bem delineados pelos governos e forças de segurança.



O outro era um fantasma para o governo do PT e de Dilma Rousseff. As manifestações de 2013 e 2014, com a marca de organizações de esquerda não partidária, de tipo novo, não aparelhada pelos governos municipais, estaduais e federal, fora da engrenagem sindical e movimentos rurais e urbanos sob controle do PT e PCdoB, uma esquerda social democrata independente, uma esquerda ambientalista, uma esquerda liberal, uma esquerda libertária e anarquista; e as manifestações de 2015, com natureza diversa das de 2013 e 2014, que se avolumaram com a pauta uma antiDilma, pró-impeachment, antipolítica, pró Lava-jato, com neoliberais ativistas do MBL e do Vem Pra Rua, grupos monarquistas, grupos fundamentalistas religiosos, grupo de direita clássicos e de extrema direita pedindo a intervenção militar. Esse foco nas manifestações de 2013 até o final de 2015 foi o principal motivo que levou Dilma Rousseff a sancionar, com alguns poucos vetos, pouquíssimos, a lei antiterrorista que passou a vigorar a partir de 17 de março de 2016.
Enfatizo, muitos que defendem o governo Dilma e a lei antiterrorismo argumentam que ela  era necessária em função dos grandes eventos, o que é uma falácia. Os grandes eventos já tinham ocorrido ou estavam em andamento sem a lei.



Chamo atenção é que os dois projetos que estão em andamento ganharam fôlego no governo Michel Temer, já no final de 2016 e início de 2017, e curiosamente não foram à frente por uma certa interferência do ministro Raul Jungmann, que não gosta da lei antiterrorismo de Dilma Rousseff e não gostava da proposta de modificação da lei no governo Michel Temer, além da militância parlamentar sempre alerta do deputado federal Marcelo Freixo e do senador Randolfe Rodrigues.



Assim, nós temos hoje esses dois projetos em andamento, um no Senado e outro na Câmara dos Deputados, e esses dois projetos são preocupantes não apenas para a ONU, porque a ONU sinaliza uma preocupação de que as oposições políticas, os movimentos sociais, os movimentos políticos, podem ser incriminados de maneira autoritária, sobretudo com o patrocínio agora do governo Jair Bolsonaro.



Enfatizo que a partir do dia 17 de março de 2016, com a sanção da lei antiterrorismo por Dilma Rousseff, o arcabouço legal de repressão política no Brasil passou a contar não apenas com essa nova lei, mas com a herança da lei de segurança nacional da ditadura militar, de 1980. Essa lei de segurança nacional me parece que está a caminho do fim, já que ao longo do mês de abril – e eu já fiz uma coluna sobre isso aqui no quarentena news – a lei de segurança nacional é revogada pela Câmara dos Deputados, e espero que o Senado referende a decisão.



De toda forma, ao mesmo tempo em que a lei de segurança nacional caminha para ser revogada por uma ação exclusiva do parlamento, na medida em que a LSN passou a ser usada ultimamente contra parlamentares, a lei antiterrorista ganha adeptos entre os bolsonaristas, na base bolsonarista. Buscam ampliar a lei que Dilma Rousseff  aprovou reinserindo os trechos vetados por Dilma, e incluir trechos que fortalecem uma visão de repressão à oposição política, de repressão aos movimentos sociais, de repressão aos movimentos políticos, de repressão sobretudo à liberdade de manifestação e expressão.

Com os devidos créditos aos jornalistas Jamil Chade do site de notícias UOL e de Thais Moura, do Congresso em Foco, destaco que a preocupação de ONGs, movimentos identitários, movimentos políticos variados, jornalistas independentes, ativistas sociais e políticos ganhou voz pelos relatores da ONU.
Jamil Chade e Thais Moura assim indicam os principais alertas dos especialistas da ONU, que aqui transcrevo:



“As mudanças legislativas propostas pelo Projeto de Lei 1595/2019 expandem significativamente o conceito de terrorismo no direito interno. Essa mudança pode levar a uma maior criminalização dos defensores dos direitos humanos, movimentos e organizações sociais, assim como a restrições às liberdades fundamentais”, apontam.

Oposição política no Brasil está ameaçada

 

 

De acordo com os relatores, o amplo escopo e imprecisão dos termos no projeto torna os indivíduos suscetíveis à violação de inúmeros direitos. No texto apoiado pelo bolsonarismo seria incluída na definição de terrorismo o ato de “exercer pressão sobre o governo, autoridades públicas ou oficiais do governo para fazer ou parar de fazer algo, por razões políticas, ideológicas ou sociais”.



Isso, segundo os relatores, expandiria a lista de atividades que são definidas como os fatores motivadores por trás do terrorismo. “Isto pode ter efeitos adversos na oposição política ou no discurso público robusto”, alertam.



Protestos e greves criminalizados



Os relatores também indicam que o PL criminaliza pessoas e grupos que “parecem ter a intenção” de realizar ações que podem “intimidar ou coagir a população ou afetar a definição de políticas públicas”. Isso ocorreria por meio de um ampla lista de ações como “intimidação, coação, destruição em massa, assassinatos, sequestros ou qualquer outra forma de violência”.



“A indefinição dos conceitos poderia assim incluir manifestações públicas organizadas, tais como protestos e greves, assim como qualquer ação ou manifestação, inclusive individual e digital, que possa “afetar a definição de políticas públicas”, alertam os relatores.



“Atos inerentes ao processo democrático, tais como protestos, manifestações e marchas poderiam ser enquadrados sob os termos destas disposições, e podem tornar o livre exercício das liberdades individuais muito desafiador”, constatam.



Motivação política, ideológica e social



Um dos aspectos mais preocupantes, segundo os relatores, é a proposta de inclusão de um artigo na lei que prevê a definição do terrorismo também por “qualquer outro motivo político, ideológico ou social”.



“A inclusão da motivação “política, ideológica ou social” como um elemento subjetivo específico de um crime infringe diretamente direitos fundamentais como a liberdade de expressão, reunião e associação”, denuncia a carta.



Segundo os relatores, tal proposta viola as obrigações internacionais do Brasil. “Uma definição excessivamente ampla pode contribuir significativamente para a criminalização dos movimentos sociais e das manifestações em geral, pois estes frequentemente têm uma motivação “política, ideológica ou social”, alertam.



“Qualquer conduta listada neste ato acarretará fortes penalidades se um ato puder ser ligado aos fatores motivadores acima. O efeito é confundido com atos políticos, ideológicos e sociais com terrorismo”, constatam.



Outro alerta da ONU se refere à perspectiva de que a lei crie um sistema de vigilância e monitoramento. “Essas disposições e novas agências conferem ao Executivo uma discrição significativa, aumentando o risco de que as ferramentas apoiadas tecnologicamente possam ser mal utilizadas ou mal aplicadas”, alertam os relatores.



A linguagem proposta permitiria ainda que crimes contra a propriedade sejam classificados como terrorismo caso qualquer motivo “político”, ideológico ou social” fosse reivindicado como associado ao ato.

 

Paulo Baía é sociólogo, cientista político e professor da UFRJ.

 

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