Cultura

A Casa dos Poetas Minerais

A casa dos poetas minerais

 

Myrian Naves

 

De Adélia a Drummond, de Aleixo a Henriqueta, livro homenageia poetas mineiros

 

A riqueza poética produzida em Minas Gerais é vasta e atemporal. Poetas do século XIX, como Beatriz Brandão, do século XX, como Alphonsus de Guimarães e Carlos Drummond de Andrade, outros cuja escrita vislumbramos na atualidade, a exemplo de Ana Martins Marques e Fabrício Marques, compõem um acervo bastante expressivo, que merece ser celebrado. 

 

Assim nasceu o livro “A casa dos poetas minerais”, de Leida Reis, em que uma narrativa ergue uma casa de adobe e ela passa a receber, um a um, grandes nomes da poesia mineira. A cada poema, a autora busca aproximar a própria escrita da forma de tecer versos do seu homenageado. 

 

Leida Reis é poeta de nascimento, publicando seu primeiro livro de versos aos cinquenta e cinco anos. Autora de dois romances, dois livros de contos e três para crianças, faz a estreia no gênero que é a sua vida desde os rascunhos com poemas no “estilo Drummond”. Esteve em antologias poéticas e seu maior feito poético foi dar aos filhos, Gabriel e Clarice, o sobrenome, registrado em cartório, de Poesia.

 

Conta a autora, depois da publicação de dois romances, dois livros de contos e cinco para crianças, alinhavou poemas para o livro e decidiu pelo tema: celebrar boa parte dos nomes da poesia produzida em Minas. “A memória é fundamental, e em Minas há poetas incríveis que sempre merecem ser lembrados. Espero que este livro chegue aos jovens, às escolas, àqueles que não conhecem a riqueza da produção poética de Minas”, diz a autora, que leu e releu dezenas de poemas para construir “A casa dos poetas minerais”.

 

Em cada poema, a recepção aos convidados da Casa da Poesia busca uma proximidade com a linguagem do homenageado. O leitor fica na expectativa de quem será o próximo a chegar, de por onde entrará, o que trará e o que levará dessa experiência. Assim, acompanha, sem qualquer ordem ou falsidade, fingimento, hipocrisia, pseudograu de importância, a rica produção poética mineira.

 

A emoção da autora na escrita da obra foi grande nos reencontros com poetas lidos na escola secundária, como com Murilo Mendes, Emílio Moura e Henriqueta Lisboa, mas o último a aparecer no livro é a grande inspiração de Leida Reis: Carlos Drummond de Andrade. “Na adolescência eu enchia cadernos e mais cadernos de poemas tentando imitá-lo. Foi quem realmente me despertou para a poesia”. 

 

O livro é colorido e traz ilustrações de Felipe Tognoli.  A autora, que em sua opção pela poesia, registrou os dois filhos com o sobrenome de Poesia (Gabriel e Clarice), espera contribuir para o resgate da produção literária poética mineira com este lançamento. Poetas homenageados (na ordem em que chegam à Casa da Poesia):  Adélia Prado, Beatriz Brandão, Ricardo Aleixo, Henriqueta Lisboa, Lúcio Cardoso, Affonso Ávila, Adão Ventura, Alphonsus de Guimarães, Laís Corrêa de Araújo, Emílio Moura, Abgar Renault, Affonso Romano de Sant’anna, Ana Martins Marques, Murilo Mendes, Marcelo Dolabela, Fabrício Marques, Yone Giannetti Fonseca, Paulinho Assunção, Angela Leite de Souza, Basílio da Gama, Ronald Claver, Elias José, Hélio Pelegrino, Ana Elisa Ribeiro, José Oiticica, Conceição Evaristo, os irmãos Maria Angela Alvim, Maria Lúcia Alvim e Francisco Alvim e Carlos Drummond de Andrade.

 

Poemas do livro A casa dos poetas mineiros

 

Página 14:

 

PARA OS QUE SERÃO BEM-VINDOS

A intenção era erguer um castelo

Paredes de ferro, cortinas de ouro

Iogues e quânticos suspensos nas telhas

Uma biblioteca milenar de capa dura

Doze mordomos e vinte e dois chefes de cozinha

 

Fizemos uma casa de adobe

Um vaso de flores silvestres foi trazido de

madrugada,

E uma carta da avó para o neto que hoje mora

no exterior

Constitui o patrimônio literário

 

Vieram os fantasmas, varreram, caiaram,

São meus amigos e cozinham

taioba, sentimentos vagos, trançam roscas,

Areiam as vasilhas, tecem passados e presentes

Estarão comigo a partir de agora

 

Mas a brutalidade para carregar ossos e tijolos

É toda minha

 

Página 24:

 

A PRIMEIRA CONVIDADA, A DIVINA ADÉLIA

 

Eis que bate à porta

A primeira convidada

Vem apreciar o aroma

Do amontoado

de torrões e versos

 

Saia rosa, perfume de doce de abóbora,

um tercinho nas mãos, postas em forma

de poema sensual

Adélia, mulher desdobrável

Deixou o dente para pagar fiança

Bebe a vida num bule descascado no bico

 

Entre, mineira robusta, fique maravilhada,

Deixe-nos assombrados

Adentre pela porta de palavras e esqueça aqui

um pedacinho de verso

Na janela com tramela

inacabada e bela

 

Página 90: 

 

E, FINALMENTE, A BELEZA DE CONCEIÇÃO EVARISTO

 

Quando essa mulher entrar

Não a apressem, ela há de morder,

Mascar, saborear o tutano

Da palavra, e vem trazendo

Uma bolsa enorme

De vozes recolhidas

Costurada a letras, majestosa

Longe de BH se fez

Finalmente reconhecida

Quanto tempo gastou

Sonhando os dias da sua menina

 

Nenhum biscoito de fubá, nenhum café coado

Farão jus a essa poeta

Permaneçamos de olhos baixos

Ao negror de seus oceanos

No entanto, a alegria é veloz

Eram quatro marias, ela conta

A mãe leu Quarto de despejo

De Carolina de Jesus

Que também de Minas escapou.

 

“Foi mãe que me fez sentir as flores

Amassadas debaixo das pedras;

Os corpos vazios rente às calçadas

E me ensinou, insisto, foi ela,

A fazer da palavra artifício

Arte e ofício do meu canto

Da minha fala”. (1)

 

____

  1.  “Cadernos Negros” poemas. Vol.25.São Paulo: Ed. Dos Autores, 2002.

 

A CASA DOS POETAS MINERAIS

Páginas Editora. 104 páginas

Autora: Leida Reis

País: Brasil

2021 

Leida Reis é escritora, editora, poeta e jornalista brasileira. Suas publicações literárias são: “The Cães Amarelos”, contos; “A Invenção do Crime”, romance; “O Livro de Cada Um”, “Quando os Bandidos Ouvem Villa-Lobos”, romance; além de três livros de literatura infantil. Seu livro de poesia, o mais recente, é “A casa dos poetas minerais”.

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